Romão e Juliana (Mário Zambujal)

sábado, 27 de maio de 2017



Mário Zambujal, num estilo tão seu, é um daqueles escritores que jamais desiludem.
Em «Romão e Juliana», no seu jeito inconfundível a misturar comédia e tragédia, vivemos um amor (aparentemente) sem limites, qual Romeu e Julieta.
 
As famílias de Juliana e Romão, inimigos de longa data, jamais poderiam imaginar ou conceber a ideia de um Valebranco com um Pontefina. Sempre me disseram que o amor tem um afinado sentido de oportunidade, aparecendo nos lugares e nas horas mais inesperadas.
 
Foi assim com a Juliana, que num incêndio, conhece Romão e por ele, incendeia também o seu coração assolado. Estaria, assim, o cenário criado à maior tragédia que só o amor pode provocar.
 
Furiosos pela saudade vitalícia, o casal corre perigos, salta muros e rouba beijos um ao outro na pressa das noites que passam velozes de mais.
Até ao dia em que tudo, repentinamente, parece mudar pela obra dos dias, já cansados e desesperados, quem sabe. Força das circunstâncias?
Poderá o amor sobreviver sem obstáculos ou, quiçá, sejam aqueles o seu maior motor de sobrevivência?
 
Mário Zambujal escreve com uma ironia brilhante.
Sempre fiel ao seu estilo narrativo, o autor lança achas a uma fogueira de que, atualmente, muito se fala. Estará o amor, também, em vias de extinção na perspetiva única de um futuro instantâneo e prazeres vagos como a noite? Dá que pensar.
Irónico, mas tão certeiro, vai levar o leitor a olhar para dentro e a questionar-se. Esse é o primeiro passo para que a vida se forre de mais sentido, sobretudo, nestes dias velozes que apagam o essencial priorizando a leveza, essa tal leveza do momento.
 
 
Ao som de: Damien Rice

O deslumbre de Cecilia Fluss (João Tordo)

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Fecha-se, assim, com chave de ouro, uma das melhores trilogias que já tive oportunidade de ler.
 
João Tordo figura, sem reservas, como um dos autores portugueses a reclamar todas as atenções e deslumbres de leitores exigentes.
 
Esta história conduz-nos e confronta-nos com um conjunto de personagens perdidas em si mesmas. Se nos livros anteriores a indiferença, a sensação de perda e culpa eram temas gritantes, em «O deslumbre de Cecília Fluss» tudo se mantém mas na sombra, eu diria figurada, da demência.
 
"O que eu quero dizer com isto é que, para os cães, o passado não existe, pelo menos da maneira que existe para nós - uma história carregada de medo, de angústia, de ressentimento, de dor, entidade viva que transportamos connosco." p.121
 
Esta é a história de Matias Fluss, adolescente carregado com as preocupações típicas dessa idade. Há o sexo que espera urgente, amizades que se consolidem, um tio enlouquecido que admira, a família que parece toldar-lhe os movimentos. Surgem as fábulas budistas, inspiradas pelo professor, numa tentativa simultânea de ausência e procura de si mesmo.
 
A história de João Tordo é belíssima. Neste último livro fecha um ciclo sobre pessoas enterradas numa caixa de Pandora, revelada antes do tempo. Quem nunca se sentiu perdido, desfocado ou diminuído no reflexo de alguém? Quem nunca?
 
É Cecília quem nela carrega a visão turva, e sempre condicionada, de Matias. A relação destes irmãos ditará o futuro de cada um deles, pautado, sempre, pela dor de uma ausência ridiculamente imposta por um destino, quase sempre, traiçoeiro.
 
Porque não esquecer, então?
Porque não, afetuosamente, guardar para si toda uma história até que a demência vença por si mesma?
 
"Temos tanto medo porque achamos que há muito a perder, mas não é assim tanto, as coisas que achamos que nos trazem a felicidade também nos trazem o contrário da felicidade, que é a terrível angústia de nos faltarem." p.177
 
No peso da saudade, da dúvida, de avanços, de retrocessos e de identificações, Matias perdeu-se e fechou-se em si mesmo no vazio que Cecília lhe vendeu, ao decidir desaparecer.
Mais tarde, essa perda gradual surgiria no fio incerto, mas claro, que só o tio Elias lhe poderia garantir.
 
"Toda a gente precisa de um lugar onde transformar a sua dor."
 
Esse lugar seria a ausência palpável do que foi, do que não foi e do que a memória, um dia, decidir de vez apagar. Como as térmitas, subtis, a escarafunchar a madeira.
Mais do que uma história de amor, perda e saudade, a trilogia de João Tordo interroga sobre a força de um coração assolapado, as diretrizes e as jornadas a que nos impele, diariamente, por respostas que acalmem. Se as vamos encontrar, aparentemente, só o tempo e o que fizermos dele, dirá. 
"(...) quando o final, inelutavelmente, chegar, tudo mergulhe numa abençoada vertigem e um sorriso trocista assome aos nossos lábios e possamos saber, finalmente, que se esgotaram as existências, que tudo é sagrado, o que foi feito foi feito, nada a pôr, nada a tirar, e será então que poderemos, finalmente, acolher a imundície humana e a insuportável beleza deste mundo como acolhemos o cálice de uma flor que sabemos morta de antemão, mas que sangra, porque está viva, porque está morta, porque está viva." p.333
 
Ao som de: "Daughter"
 
Obrigada Penguin Random House
 
 

Psicologia(s) #10

domingo, 21 de maio de 2017

O Sul seguido de Bene (Adelaida García Morales)

sábado, 13 de maio de 2017

«O Sul seguido de Bene» de Adelaida García Morales, lançado em Portugal pela Relógio d'Água Editores, reúne duas pequenas novelas, «O Sul» e «Bene».
Em ambas as novelas a ausência de um alguém prevalece. Sabemos de antemão como a ausência se sente no peso de uma saudade vitalícia, palpável, que faz adoecer.
 
Na primeira novela, «O Sul», a ausência de um pai e, do outro lado, a filha que, pelo silêncio dos seus gestos aflitos, lhe roga presença, apoio, validação.
Esta novela é tão linda. A simplicidade da escrita conta-nos como só o amor deve ser. Simples, tão genuíno que se transforma numa dor calma, resignada de quem sabe amar tudo, independentemente do (quase) nada que lhe destinam.
Deixem-me repetir o quanto esta novela é belíssima, por tudo. A ausência do pai, a filha que aprenderá a reconsiderar cada gesto ao lado de um homem, que com segredos no nome, acabou por lhe ensinar a amar da maneira mais bonita.
Essa maneira de amar é, sem sombra de qualquer dúvida, nada esperar em troca.
 
Em «Bene», no mesmo registo de ausências bem demarcadas, vive-se uma atmosfera quase fantástica sobre uma mulher, uma menina e o seu irmão, Santiago.
Desde o medo atroz em perder os lugares conquistados, de irmã capaz e bondosa, aos amores doentios e desajustados, esta novela de Morales assume um caminho diferente, inesperado, a merecer a atenção pelo confronto com a morte, com a dor, com a incapacidade de se saber lidar com o que não poderemos ter, jamais.
 
 
 
Sobre «O Sul» Ángel Fernández-Santos disse: "O Sul é uma das narrativas de amor mais originais na sua poderosa simplicidade".
 
Faça um favor a si mesmo e não deixe de o ler.
 
 
 
Muito grata à Relógio d'Água Editores por um livro que se tornou vitalício.
 
 
Ao som de:
Bon Iver

Palavras mal colocadas #8

sexta-feira, 12 de maio de 2017

 
Entre alucinações, delírios, fala desorganizada e comportamento catatónico, eu não consigo compreender algumas aplicações desta palavra, como no exemplo que se segue:


"Este documento é esquizofrénico"

Sem comentários.

leite e mel (rupi kaur)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

O primeiro livro de rupi kaur brinda-nos com um conjunto muito cuidado de poesias sobre o amor, o abuso, a perda e outros temas que, diluídos, se podem misturar naqueles primeiros. Basicamente, a poesia de rupi kaur fala do amor e das suas inevitáveis ramificações, não necessariamente felizes, mas com promessas de uma cura.
 
Nem sempre é fácil concordar com tudo aquilo que nos entra pelos olhos adentro. Há aqui poesias belíssimas, outras, que nos provocam a língua, a querer contrapor. Acredito que o objetivo maior da poesia, mais do que sensibilizar para a beleza da palavra, da fonética e tudo o que mais se lhe reveste, é provocar - nos mais diversos sentidos - quem decidiu ler.
 
Eu li. E decidi que vale a pena desafiar outros leitores a sentirem-se provocados pelas palavras de rupi kaur. Ela sentiu a poesia como fonte de cura, de validação e sobrevivência.
Se não tem alma pequena, acredito que valerá a pena.
 
Boas leituras.

Viajante à Luz da Lua (Antal Szerb)

sábado, 6 de maio de 2017

«Viajante à Luz da Lua» de Antal Szerb é um dos grandes clássicos da literatura húngara, recentemente publicado em Portugal pela Guerra & Paz Editores.
Publicado em 1937, este livro retrata a história de Mihály, um homem de negócios de Budapeste, mas cuja responsabilidade, esperada pela idade que não assume, é coisa com a qual se confronta diariamente num conflito a que só os desafortunados de coração conseguem perceber.
 
Mihály não se assume enquanto homem que deve, tal como os outros, prosperar, crescer e ser cada vez maior. Parece que tal incumbência não lhe está nem no sangue, e muito menos, nas ações que se mantêm, sempre, na sombra de uma adolescência inacabada.

Ele larga tudo, a vida de outrora, a mulher com quem casou e viaja em lua-de-mel, rumando sem destino por uma Itália repleta de promessas antigas.
 
Há uma frase de Marcel Proust que retrata, na perfeição, essa inquietude de Mihály, cansativa, pesada e que atormenta:
 
"A maioria dos homens gasta a melhor
parte da vida a tornar a outra miserável."
 
Não consigo definir melhor a vida deste homem, que sempre se sentiu no lugar errado à hora errada, com intenções e desejos escondidos por uma cobardia congénita.
A adolescência é muito demarcada na história de Szerb, como alavanca daquilo a que alguém se pode vir a tornar, como um esquisso daquilo que será.
Para Mihály, com base numa adolescência repleta de magia, fantasmas palpáveis, amizades inquestionáveis e um amor eterno, intocável, decidiu estagnar em si mesmo, numa tentativa infantil de permanecer no único lugar que o validava.
 
Esta é uma história capaz de lhe arrancar alguns risos, mas é sobretudo uma história sobre o passado, sobre a adolescência e o poder daquela em transformar cada passo dado. Uma necessidade bem demarcada em pertencer, tão somente pertencer para que, um dia mais tarde, a sua passagem pela vida possa tecer-se de algum significado.
 
O seu significado maior tinha nome de Éva e tal como na história do paraíso perdido, algo se prendeu na garganta de um homem que amou mal, cresceu mal, viveu mal.
 
Leia este livro sem qualquer arnês. Não precisa de saber muito mais de uma história cuja amizade, amor e adolescência se juntam para, cruelmente, formar a base de perdição de um homem que, fruto de um passado idealizado, decide viver apenas para dentro.
 
Mihály só precisava de esperança.
A adolescência é feita de armários à medida de quem foge em sonhos sem nome.
Mais cedo, ou mais tarde, porém, este homem terá de crescer.
 
 
Eu já li e descobri. E você, vai ler?
 
 
 
Bem haja, Guerra & Paz, pela oferta.
 

A ler Antal Szerb

quinta-feira, 4 de maio de 2017


 
"(...) Amo-te porque me pertences,
amava-a porque não me pertencia,
o amor que sinto por ti dá-me confiança, segurança e força,
o amor que sentia por ela humilhava e aniquilava-me..."
 
In "Viajante à Luz da Lua"
 
 
A roer-me para não fazer comentários sarcásticos.
Acho que acabei de o fazer.

Palavras mal colocadas #7

segunda-feira, 1 de maio de 2017


"Olha, hoje não sei se poderei ir ter contigo..."
"Whatever!"
 
É que já nem consigo dissertar mais sobre o quanto esta expressão (?!) me enerva e me acrescenta uma ruga aqui, e ali.

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