Conversas

quinta-feira, 30 de abril de 2020


«Conversas com a minha gata» de Eduardo Jáuregui (psicólogo) é uma das minhas leituras do momento.
É um livro leve mas repleto de mensagens pertinentes, por vezes escondidas (como só os psicólogos sabem fazer - risos), que deveriam ser relembradas diariamente.
Numa fase estranha como esta que vivemos, impera a vontade de nos superarmos mais do que nunca. Sarah, numa fase muito complicada (e agitada) da sua vida, será confrontada com uma gata que lhe aparece, descarada, à sua janela. Uma gata que fala, que fala como a gente, mas aquilo que diz acaba por nos deixar envergonhados face à infantilidade (maioritária) de como conduzimos, tantas vezes, a vida. Conduzir a vida na ideia cozinhada de que dura para sempre e que, por isso, é só mais desta vez, é só hoje. Mas o amanhã pode não chegar: é bom pensar nisso.

Estou a ter uma leitura muito interessante. Conto-lhe tudo em breve.
Até lá, sintonize os pensamentos e como a Sibila (gata) recomenda: caminhe, caminhando.
Se ler, vai entender :).






Seja feliz,

The best we could do (Thi Bui)

terça-feira, 28 de abril de 2020


Seriam inúmeras as definições que poderíamos encontrar para definir a «família». Do dicionário, destaco esta, em específico:

"Conjunto de todos os parentes de uma pessoa e, principalmente, dos que moram com ela."
É que, para mim, família é casa. «Casa» torna-se o sinónimo único de uma palavra que se ramifica nos dias rotineiros (e tão cheios) de quem vive numa casa partilhada. De quem partilha a memória de ter visto os primeiros passos daquele bebé, mais tarde, o primeiro dente. O irmão mais velho que nasce. O avô que morre. A mãe que, mesmo cansada, espalha o sorriso que tranquiliza.

Thi Bui, nesta que é uma autobiografia, desenha e escreve na perfeição o verdadeiro significado da palavra «família» que, associada a essa ideia de casa que conforta, nos transporta também para a ideia de alicerce. Se uma casa jamais poderia ser construída pelo telhado, também a família jamais poderia ser construída por nada que não seja o amor de quem ali vive. O afeto como alicerce, como a memória que perdura, independentemente dos maus momentos que a vida, tão prontamente, nos ensina que sempre haverá. Resta aprender a dar a esses momentos novos significados, aprender, perdoar e crescer para lá dos traços da infância, sempre mais marcados que todos os outros.

Este livro começa no momento em que a jovem Thi Bui dá à luz o seu primeiro filho. A entrada na maternidade, que nunca se prepara na plenitude, acaba por a afogar numa nostalgia quente do amor da sua mãe, agora melhor compreendido. Totalmente compreendido, agora.

É a partir dessa nostalgia e do receio esperado de ter um bebé nos braços, que as reminiscências sobre a sua família tomam lugar. Esta é a sua história, a história de uma família vietnamita e todas as aventuras e desventuras a que se sujeitou por um lugar ao sol. Desde abandonar a sua terra, partir para os Estados Unidos, viver de perto a guerra, a fome e o desespero, são apenas alguns dos marcos que o leitor visitará.

Há uma constatação do verbo chorar neste livro. É uma constatação, até para os corações mais seguros, que chorar é verbo que se aplica e mistura por parte do leitor, na história de Thi. É impossível, repito, mesmo que tenha um coração mais seguro, não chorar perante crianças que viveram (e infelizmente um cenário que ainda hoje se vive) a fome de perto, o medo incessante e o desespero da separação.

E tal como a manhã precisa da noite para ganhar forma, também será através do desespero desta família e, na mesma medida, a força intrínseca de um casal em superar tudo pelo bem-estar dos filhos, que a luz da esperança surge no momento em que fechamos o livro.

É um livro emocionalmente (e historicamente) carregado e que, paralelamente, nos liberta do fardo de quem ousou refletir sobre a dor para, naquele momento desejado, sentir a esperança de que também as coisas más passarão. A História sangrenta que viveram. As guerras. As dores.

É verdade quando lemos que este livro tem o poder de nos partir o coração e, ao mesmo tempo, curá-lo. Essa cura é feita de esperança e dores transformadas.

Belíssimo, para ler e reler.


Conjunto de todos os parentes de uma pessoa, e, principalmente, dos que moram com ela.

"família", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/fam%C3%ADlia [consultado em 28-04-2020]

Conjunto de todos os parentes de uma pessoa, e, principalmente, dos que moram com ela.

"família", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/fam%C3%ADlia [consultado em 28-04-2020].
Conjunto de todos os parentes de uma pessoa, e, principalmente, dos que moram com ela.

"família", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/fam%C3%ADlia [consultado em 28-0
Seja feliz,

David Golder (Irène Némirovsky)

sexta-feira, 24 de abril de 2020


Contém spoilers.

Aos 26 anos Irène Némirovsky escreveu «David Golder«, o seu primeiro romance. Naquela altura, é referido que "Na história editorial é caso único que o autor de um manuscrito lido com alvoroço tenha de ser procurado em anúncios de jornais." (Prefácio, Relógio D'Água Editores).
Foi assim que aconteceu e ninguém previa que a mão que escrevera uma história madura como «David Golder» fosse de uma jovem de tão tenra idade, depois de tanta procura e da necessidade desse anúncio que possibilitasse encontrar o autor, neste caso, a autora.

"Peço desculpa por tanto atraso. Acabo de dar à luz. Sou Irène Némirovksy, a autora de David Golder.»

«Protetor» é uma das palavras que podemos encontrar no dicionário para significar «pai» e é muito sobre isto que gira a história de «David Golder»: um homem de negócios, à beira da falência, profissional e física, mas que por amor à sua filha Joyce, decide recuperar a pouca energia que ainda tem e reconstruir o seu império.

O mundo deste homem foi sempre voltado para os negócios e uma constante procura pela riqueza e prosperidade. É a atitude desenfreada de um homem que esconde, paralelamente a essa vida agitada de negócios, o vazio da sua vida conjugal, com uma esposa materialista, leviana e frívola que apenas o tolera pelo dinheiro que recebe. David sente que a única tarefa que desempenha eficazmente é proporcionar o melhor dos melhores para a sua filha, igualmente leviana, cabeça no ar e sorriso constante no rosto, de quem sempre teve tudo à custa de nada.

O ambiente/enredo desta história vem mostrar até onde pode ir o amor de um pai pela filha mesmo quando, inesperadamente, se levanta a dúvida sobre a sua legitimidade enquanto tal. Será Joyce realmente sua filha? O sorriso do amante da mulher é guilhotina na única certeza que o faz levantar todas as manhãs.

Inspirado no trabalho do próprio pai, bancário, Irène Némirovksy escreve uma história de grande maturidade sobre as linhas enviesadas de uma família destruída pela ambição e um homem que vê no futuro da filha, e no amor incondicional que lhe tem, a única salvação e redenção para uma vida sem propósito.

É aqui que mora a grande beleza deste livro: o amor de um pai como quem se despoja, depois de anos numa procura desenfreada de pequenos nadas. É no amor como esperança que este homem se centra e, já muito cansado, termina a sua jornada com aquela sensação de dever cumprido. O que o futuro reservará, dele já não depende.

É um consolo que se segue, doce, de quem morre com alma renovada e deixa, à mão de semear e para quem queira ver, a consciência lavada, incapaz de envergonhar quem o guarda, e guardará, na memória.



Livro



A Arisca na pose certa dos que se deixam levar pela literatura (risos).
Ainda sobre o dia mundial do livro, ontem, hoje e sempre.



Seja feliz,

Prática e autodisciplina

quinta-feira, 16 de abril de 2020



Os verdadeiros segredos do talento.
É aquela tal coisa, surpreendente, chamada... trabalho.

 💚

Seja feliz,

Jovens corações em lágrimas (Richard Yates)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Contém spoilers.

As palavras de Richard Yates são pequenos embrulhos. São bonitos por fora mas dentro guardam uma tristeza cansada. Para quem é admirador atento, como eu, sabe que o autor tem uma forma tão característica de escrever a dor que, aos olhos de quem a lê, consegue ver-lhe beleza, a beleza que empurra as sombras.

Esta é a história de um jovem e bonito casal, Michael e Lucy. Conheceremos a sua jornada, como homem e mulher que se apaixonam, despertos para um mundo repleto de oportunidades, na semelhança das suas vontades e na pujança de um amor, segundo o seu íntimo, capaz de superar todas as coisas.

É na cerimónia do casamento que são feitos os votos de uma vida inteira, mas não será assim com este casal. Michael é um homem perdido em si mesmo, entregue a um trabalho que não gosta mas que lhe possibilita pagar as contas e o sonho, firme, em escrever poesia. Por outro lado, Lucy é rica, segredo revelado apenas e só depois do casamento. Se a intenção dura de Michael é prosperar na força do seu próprio empenho enquanto escritor, a riqueza da esposa ainda o amedronta mais. Nasce nele um constante desejo de emancipação, quase sexual. Ou se calhar, e sobretudo, sexual.

É sempre sobre a melancolia dos sonhos. Richard Yates tece sonhos tão bonitos e mostra-nos, a olhu nu mas repleto de sensibilidade, as entranhas que movem qualquer sonho: a deceção e o desespero.

Ao longo desta belíssima história conhecemos as dores de todas as personagens, sem exceção. Mas será em Michael e Lucy, agora pais de uma menina, Laura, e divorciados, que o enredo acontece e uma catadupa de sonhos infecundos dá lugar. 

Desde a nostalgia do que foi o casamento, aquela esperança vaga dos lugares onde fomos felizes mas que sabemos jamais poder voltar; a saudade do que foi sem nunca ter sido; as paixões que vão desabrochando em cada um deles, novos amores, novos desamores; vidas novas que vão construindo na base de sentimentos frescos mas mascarados com as mesmas crenças de não merecimento; e por fim, a procura de si mesmo através da arte.
"Sabes o que nos aconteceu, Lucy, a ti e a mim? Passámos as nossas vidas na expectativa. Não é a coisa mais diabolicamente absurda de todas?" p.175
Caro leitor, se ainda me acompanha, deixe-me dizer-lhe que as histórias de Richard Yates têm o poder de nos fazer chegar a ponta da faca, certeira, ao âmago das nossas próprias dores. É um exercício melancólico, é o confronto com esse desejo desmedido e traduzido em expectativas diabólicas para, no final, restar o sabor acre de memórias, tão só, sonhadas.

"Toda a gente está essencialmente só, dissera-lhe, e ele começava a ver que era verdade. Além disso, agora que estava mais velho, e agora que chegara a casa, talvez já não fosse importante saber como acabaria a história." p.459


«Jovens corações em lágrimas» tem já o seu lugar garantido nos melhores deste estranho 2020.


 Seja feliz,

Entre ser e fazer | reflexões #3

quinta-feira, 9 de abril de 2020

 

A expressão «fazer amor» é uma intriga. Fazer é um verbo com esforço, que implica falta, ausência ou incómodo. Ter de fazer uns bolos, ter de fazer umas compras ou, mais redutor ainda, ter de fazer cócó.
Porquê «fazer amor» se o amor já existe por si mesmo? É como a fé dos verdadeiros, a crença em algo que não se vê, mas que existe. 
Então, como se faz amor? Muitos seriam capazes de uma receita pronta, que seria mais ou menos assim: "... este é o meu pénis, vou inserir na tua vagina, vai seguir-se um vai vem das minhas ancas robustas, vamos friccionar a zona, como quem bate claras em castelo. E nasce o amor, feito receita de dias iguais. 
Tudo isto me traz a necessidade de reivindicar verbos. Exige-se a troca de «fazer» por «ser». Ele não vai fazer. Ela não vai fazer. Eles não vão fazer. 
Ele vai ser. Ela vai ser. Eles vão ser. Entre ramificações de pernas, braços, bocas e línguas, serão o amor que dá beleza à monstruosidade de corpos e fluidos trocados. Porque só sendo se vê o que não está lá. 
Nada se faz em matérias genitais e cardíacas. Tudo se é.
E nesse tudo, tudo é uma questão de fé.

Assim seja.
Amém.

"E serão os dois uma só carne." | Marcos 10:8


Seja feliz,

A Reclusa (Debra Jo Immergut)

segunda-feira, 6 de abril de 2020


«A Reclusa», obra de estreia de Debra Jo Immerbut, conta-nos a história de duas pessoas cujo ponto comum são as dores de alma mal resolvidas. Se por um lado temos uma mulher condenada a 52 anos de cadeia cuja culpa surge sempre toldada pela dúvida, por outro, temos um psicólogo deprimido, escondido ainda na dor de quem não ultrapassou o seu mais recente falhanço profissional. Nessa sequência, o seu maior anseio de vida é superar-se a si mesmo, nem que para tal seja necessário negar todas as suas convicções, pessoais e profissionais.

É uma história de amor? Não.

Mais do que uma suposta história de amor, este «A Reclusa» é um livro que nos conduz aqueles lugares sombrios de que todos nós temos um pouco.  Mais do que uma história de superação, este é um livro que nos leva a refletir sobre a fragilidade humana e até que ponto estamos dispostos a ir, a renegar-nos, por um pequeno rasto de luz no rosto. Uma espécie de recomeço.

Se para Miranda, sair da cadeia lhe parece impossível, para Frank, o psicólogo, vê nessa impossibilidade a sua saída, a necessidade de transgredir, de optar pelo lado errado, pela primeira vez.

Vou repetir, não estamos perante uma história de amor apesar do discurso de Frank o parecer, por vezes. A ingratidão da psicologia será, sempre, a sua lentidão e talvez por isso mesmo Frank, perdido numa vida que o engoliu, deixou de olhar para dentro e perceber sinais que, para qualquer técnico de saúde mental, sempre lhe estiveram a dançar nos olhos.

O leitor que se aventure nesta história viverá momentos de tensão, de alguma ansiedade e, no final, a certeza que impera numa vida conturbada: serão sempre os nossos erros a prevalecer e o sofrimento de quem lhes tenta escapar, a tormenta de todos os dias.

Creio ainda que falar sobre este livro, tecer-lhe todos os pormenores, irá empobrecê-lo. Este é um daqueles exemplos em que o livro se ramifica e se apodera das nossas próprias experiências pessoais para, depois então, refletirmos mais sobre esta complexidade de que todos somos feitos e que nada em nós nos dará, em momento algum, a legitimidade ao julgamento fácil. Se para si quebrar as regras sociais e morais é impensável, para outra pessoa, quebrar pela primeira vez uma regra que sempre defendeu, poderá representar a porta da oportunidade a uma vida que sempre se desejou.

E nisso, o julgamento alheio, vale e sempre valerá, desculpe-me o francês, a ponta de um corno.




Esta leitura contou com o apoio:
 



Seja feliz,

Viajar no tempo

sexta-feira, 3 de abril de 2020


«Before the coffee gets cold», de Toshikazu Kawaguchi, é uma das minhas leituras do momento. O enredo decorre dentro de um café muito peculiar, onde é possível, seguindo regras muito específicas, viajar no tempo, regressar ao passado.
Se entrasse neste café, qual seria a primeira coisa que mudaria na sua vida?
É sobre isso que ando a pensar estes dias.
Muito.


Seja feliz,

Normal People (Sally Rooney)

quarta-feira, 1 de abril de 2020


«Normal People», de Sally Rooney, é uma daquelas histórias simples mas que na sua simplicidade nos traz uma imensidão de aprendizagens ou, melhor ainda, uma reciclagem de assuntos aprendidos, muitas vezes, à força de muito sofrimento.

Creio que ninguém esquece o primeiro amor, seja lá o que isso signifique de amar aos 14, aos 17, aos 22 ou aos 32 anos de idade. Parece que o amor, tal como a gente, vai crescendo, vai-se complicando de forma gradual, vai atenuando inseguranças, alimentando outro género de medos, vai girando na mesma intensidade dos corações perdidos, que se encontram, que se perdem outra vez. Por aí vai, um caminho sinuoso com um único destino: a certeza de um amparo, a certeza de que gostem de nós como somos, normais. E tudo o que é normal, tem o seu grau de anormalidade. Quem for amado nessa proporção, encontrou o destino.

Em «Normal People» conhecemos a história de Marianne e de Connell. O único ponto em comum de ambos é a mesma escola que frequentam. A mãe de Connell trabalha na casa de Marianne e é nos espaços de tempo em que jovem vai buscar a mãe de carro, que se cruza com Marianne e as conversas vão nascendo, aumentando de interesse, até ao momento em que um sentimento maior do que as diferenças dos seus mundos, lhes explode nas mãos.

Poderia ser apenas, e só, mais uma história de amor. Com muitos clichés à mistura. A verdade é que sim, esta é uma história de amor mas a forma como a autora desenvolve esses esperados clichés faz toda a diferença no trajeto deste casal que, ao longo de vários anos, se afasta para sempre, mas sempre, se voltarem a cruzar. Destino? O tal destino?

Nunca saberemos e isto porque em assuntos de amor, a tendência humana a controlar nunca resulta. Em assuntos de amor só mesmo o destino é que grita a hora de chegada e a hora de partida. Saber deixar ir é prenúncio das verdadeiras histórias de amor.

Marianne parece saber isso melhor do que ninguém.

Uma leitura muito interessante, recomendo.




Seja feliz,

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