1001 livros em 2018

domingo, 31 de dezembro de 2017

 Um feliz 2018 muito feliz e com 1001 livros sempre por perto.
 
Sejam felizes,

Os memoráveis de 2017

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Chega o momento do ano em que vos mostro aquelas que foram consideradas as
 minhas melhores leituras.
Ora veja os dez memoráveis de 2017:




Sejam felizes e um Ano Novo memorável,

Os Óculos de Ouro (Giorgio Bassani)

terça-feira, 26 de dezembro de 2017


Em «Os Óculos de Ouro» de Giorgio Bassani, um dos primeiros livros do autor, estamos perante uma história capaz de se ramificar em si mesma. Se inicialmente a história nos parece centrar-se no conceituado médico Fadigati, com os seus óculos de ouro a ostentar um estatuto elevado e apreciado, mais tarde, questionamos as reais intenções do autor depois de uma onda de especulação sobre o regime fascista, bem como a uma onda de tensão, daí advinda, entre as personagens.
 
Mas voltemos ao médico dos óculos de ouro: a personificação do preconceito, de uma época, de pessoas envoltas nos seus próprios medos.
No meio de uma pequena cidade italiana, Ferrara, tudo se sabe e nada se esconde, irremediavelmente. A chegada do médico agita tudo e todos numa curiosidade que se propaga. Quem será, como viverá e, mais importante, que segredos esconderá?
 
E Fadigati tem, aparentemente, segredos que se escondem. Ele é reservado, dá longas caminhadas no fim do dia e é à noite que, aparentemente, um outro lado emerge.
 
O mais interessante na obra de Bassani é que tudo parece ser, sem ser realmente. Há desconfianças sobre o médico, sobre uma homossexualidade aparente, bem como os afetos que se geram entre si e as pessoas de Ferrara.  Mas nada mais do que isso, uma desconfiança permanente.
 
Mais do que a curiosidade envolta no médico Fadigati, «Os Óculos de Ouro» marcam uma época difícil, com a Itália dominada pelo regime fascista e, sobretudo, pelas questões judaicas e o preconceito associado. Giorgio Bassani, através da história de um médico envolto em segredos, personifica uma época conturbada, bem como as particularidades políticas do país.
 
Tudo isto na sombra sublime de um homem que não vai esquecer e cujos segredos, na verdade, nunca conhecerá.
 
 
Boas leituras,

Charles Dickens e o Natal

 
"Eu irei honrar o Natal no meu coração,
e tentar mantê-lo durante todo o ano."
 
Charles Dickens

Dois Irmãos (Milton Hatoum)

terça-feira, 12 de dezembro de 2017


Milton Hatoum é um dos mais conceituados autores contemporâneos do Brasil. Nasceu em Manaus, em 1952, e é precisamente nessa cidade que tudo acontece na história de «Dois Irmãos».
 
O autor conta-nos a história de dois irmãos gémeos e toda a sua jornada de vida, quase do início ao fim. A animosidade entre os dois, iniciada por um amor comum a Lívia, só tende a crescer e a prosperar nesse terreno rico que é o ódio. É precisamente essa animosidade que marca e conduz a relação dos dois, pela vida fora.
 
O livro de Milton Hatoum, a partir de uma saga familiar inesquecível, traz a lume vários temas que, numa primeira passagem, poderiam passar despercebidos ao leitor. É que se inicialmente acreditamos que é a relação entre os irmãos o ponto basilar de toda a narrativa, acabaremos por repensar.
 
Após um acidente aparatoso entre os irmãos, Yaqub e Omar, em que este último esfaqueia a face do outro, temos um rio amazonas de atitudes mal arquitetadas por um pai e uma mãe que não o deveriam ter sido.
Desse acidente, os pais decidem enviar Yaqub, o vitimizado, para o Líbano. O afastamento do irmão, pensaram eles, afastaria igualmente a raiva distorcida que cada um tecia. Obviamente, o fogo do ódio, anos volvidos e após o reencontro, assegurou a quem quisesse ver, a sua força e disponibilidade para continuar a arder sem fim.
 
Vamos esquecer também a ideia generalizada do bom e do mau irmão. Seja ele gémeo ou não, acredito que as famílias em geral vivam com o dilema entre o bom e o mau irmão e que cada um deles, na imagem refletida dos próprios pais, viva em função disso mesmo.
 
Omar sempre fora o protegido pela mãe, enquanto Yaqub aprendeu na sua própria solidão e amor aos livros, a criar o seu próprio trajeto. A questão que reside é: de que modo pode o amor incondicional, ou a sua aparente ausência, determinar o futuro de cada um?
 
Acredite quando lhe digo que o futuro, não só dos irmãos, como de toda a família, será determinado por amores mal colocados, anseios não realizados e, acima de tudo, pela teia opressiva que todas as famílias oferecem.
 
O desejo distorcido de pefeição à luz de quem os criou no escuro da dúvida, sublinhou um ódio que, como suspeitamos desde logo, ardeu até não poder mais.
 
Recomendo vivamente e, com toda a certeza, lerei tudo de Milton Haboum.
Muito, muito bom.
 
 
Uma leitura com o estimado apoio:
 
 
 
Sejam felizes,

Gigante

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

 
"Quando fores gigante
vais casar com quem?"
 
Principezinho, 4 anos

Aquelas questões pequeninas para nos mostrarem o quanto o
casamento requer poderes sobrenaturais (e Danoninhos)
 
 
 
Seja feliz!

O amor é para os parvos (Manuel Jorge Marmelo)

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Falar de amor tem muito que se lhe diga.
Encontramos, quase como no autismo, um espectro de quem dele padece: uns afoitos que o encaram sem medos, a dar um pouco para os parvos, e outros, menos afoitos, com o  coração aflito pelo que virá depois. Aquele medo crescente e ansioso de quem deseja, à força toda, resolver uma espécie de equação matemática sem fim à vista.
 
O livro «O amor é para os parvos», de Manuel Jorge Marmelo, é um bonito desabafo de um homem, a quem nunca lhe conheceremos o nome, para com a sombra de uma mulher e o passado que ambos viveram. O passado de um amor distorcido pela força do tempo, bem como as lutas internas de a quem lhe quer (tanto) sobreviver.
 
Falar de amor tem muito que se lhe diga, repito sem qualquer desfaçatez.
A questão impera: se eu não gostar de mim, quem gostará?
Será pois um clichê, tantas vezes repetido, e que por isso, talvez lhe tenha perdido o tom desejado da verdade.
 
A história de Manuel Jorge Marmelo enfatiza esses demónios que carregamos para explicar, subtilmente, o quanto o amor (ou a sua falta) nos distorce a visão das coisas, do que merecemos e do que estamos dispostos a dar. A questão incide, na verdade, em: pode amar, quem nunca foi amado?
 
Ao longo do desabafo num quarto, que adivinhamos escuro e vazio, este homem vai tecendo as linhas que formaram, desde sempre, a sua vida pequena, preenchida por um passado que teima esquecer mas que, na mesma medida, o define e afronta.
 
A impossibilidade de mostrar esse amor bonito que sente, vagueia por toda a obra, afligindo e invocando a compreensão quase apiedada do leitor.
É uma belíssima homenagem ao amor, por muito estranho que lhe pareça. Sempre me disseram que as verdadeiras histórias de amor são aquelas que não começam ou que acabam antes do tempo. Ficam esses resquícios de amor que se perdem pelos cantos da casa, escondidos no fundo das gavetas, no fundo de cada um, lá bem amarrotado.
 
É nesses resquícios que encontramos um homem abandonado à sua sorte, à invocação de um amor que foi, que não torna, afrontando e exigindo um retorno ao passado: o lugar faminto das dores que nos definem, que nos toldam os passos capazes de reverter um futuro morto à nascença.
 
Recomendo sem qualquer reserva.
Manuel Jorge Marmelo continua a teimar em não me desiludir.
O meu bem haja.
 
 
Boas leituras. Seja feliz,

A Substância do Mal (Luca D'Andrea)

terça-feira, 28 de novembro de 2017


«A Substância do Mal», de Luca D'Andrea, surge envolto numa expectativa que se alastrou por milhares e milhares de pessoas. Segundo consta, foi a singularidade na forma de abordar uma história que muitos poderão considerar mil vezes repetida, a determinar o seu sucesso.
 
Jeremiah Salinger, guionista de televisão afamado, partirá para uma aventura sem precedentes, neste que é um thriller policial que vicia pela narrativa sombria, escondida, a incitar ao leitor ler nas entrelinhas do que foi, aparentemente, dito.
 
Motivado pelas suas aspirações profissionais, Salinger, depois de se apaixonar por Annelise e, junto com ela, rumarem à sua terra natal, no sul de Tirol, entusiasmado pelas montanhas, decide fazer um documentário sobre os resgates na montanha.

Centrado na sua investigação, e depois de sofrer um aparatoso acidente na montanha, as atenções de Salinger centram-se no massacre ocorrido nos anos 80, envolto em mistério e censura dos moradores. Falar no assunto é ameaça, é proibição, é segredo que se quer manter.
 
Seguir a trajetória das suas investigações, ouvir segredos que se escapam, conhecer mais e melhor cada pessoa envolvida no massacre que vitimou três jovens moradores, será a responsabilidade do leitor.
 
Entre passado e futuro, Salinger enfrentará a revolva dos moradores mas, sobretudo, os receios e fragilidades que cada um dos envolvidos esconde para, mais à frente, originar a resposta a um segredo que, tal como a maioria, deixa o rabo de fora.
 
Luca D'Andrea dá-nos a conhecer, neste que é o seu primeiro livro, um policial que, para lá da maioria do que conhecemos, prima pela originalidade de, sem nada prever, partirmos sem arnês em busca de uma resposta que, pasme-se, sempre esteve ao nosso lado.
 
Uma leitura com o apoio:
 
 
 
 
Seja feliz,

Estamos a ler

segunda-feira, 27 de novembro de 2017


«Dois Irmãos» de Milton Hatoum.
Já leu? Gostou? Recomenda?
 
 
 
Boas leituras,
 

Orlando e o Rinoceronte (Alexandra Lucas Coelho)

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Alexandra Lucas Coelho, jornalista e conceituada escritora portuguesa, estreia-se agora numa coleção infantil, «As Aventuras de Orlando».
No primeiro volume, «Orlando e o Rinoceronte», crianças, jovens, adultos e séniores terão a oportunidade de revisitarem trechos da História do nosso Portugal. Tudo isto através de uma escrita solta, aventureira e sonhadora, de quem sabe ser criança em qualquer idade.
 
Orlando é um menino de oito anos que, do amor dos pais, herdou cabelo ruivo e carapinha. Essa junção nem sempre o anima, muito menos o amor de Sofia, a garantir-lhe que um dia se casará com ele.
 
Depois do divórcio dos pais, Orlando habituara-se a dividir o seu tempo em duas casas. Foi na casa da mãe que, um dia, enquanto o seu pai viajava, recebeu uma estranha carta daquele com um desenho de um estranho rinoceronte.
 
Através dessa enigmática carta, Orlando partirá numa aventura ao desconhecido, uma viagem no tempo, acompanhada pelo seu peculiar tio Tristão, a viver no Brasil.
 
O desenho do rinoceronte que tanto deslumbrou Orlando, é o cenário criado para a autora nos fazer regressar ao passado colonial do nosso país, embrenhando-se na história de D. Manuel I e o seu rinoceronte-indiano.
 
Rinoceronte de  Durer
Xilogravura inspirada no Rinoceronte-indiano chegado a Lisboa em 1515
 
Numa entrevista à SAPOMAG, sobre os intentos desta coleção, a autora refere a criação de uma série de livros que permitam lidar : "(...) "com a vida, com a família, com o passado, com questões de género, tanta coisa que pode ainda ser contada para crianças".
 
Através do fascínio que só as crianças sabem impor, Alexandra Lucas Coelho desafia-nos a revisitar o passado do país, apontando o seu lugar vitalício na memória de todos nós.
 
Gostei imenso e só posso recomendar.
O segundo livro da coleção está previsto para a primavera de 2018.
 
 
 
Com o apoio:
 
 

Boas leituras e sejam felizes,

Onde a vida se perde (Paulo Ferreira)

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

«Onde a Vida se Perde» é o primeiro romance escrito por Paulo Ferreira.
A história vem contar-nos a vida de um homem, Pedro, a quem lhe ditaram apenas 6 meses de vida, na sequência de um tumor cerebral.
Aquilo que poderíamos considerar o início de uma história muito padronizada, acaba por nos dar a volta quando percebemos que Pedro, ao invés de correr e fazer tudo o que aquele prazo limitado lhe permitiria, decide antes reunir aquelas que sempre considerou como as quatro mulheres da sua vida: Mia, Carmen, Rita e Alice.
 
 
"Rita era a mulher instável e fútil; Carmen, a loucura e o regozijo do amor (substantivo que a magoava, mal de gramática); Alice, o sinal de que Pedro poderia tornar-se monogâmico (...).
Nesse tempo, Mia vivia numa espécie de limbo."
 
 
Cada uma destas mulheres tem uma história. A sua história individual e a história que se mistura, irrevogavelmente, com um homem estranho, sonhador, inseguro e atado às linhas menos previsíveis. É que Pedro parece ter amado todas elas, ao mesmo tempo, não amando nenhuma. Amando-se a si mesmo e a uma lamúria pertinente de que nada chega. De que nada lhe chega. De que tudo é demasiadamente passageiro, na vida, para se assentar na vida de alguém. Imiscuir-se. Envolver-se como as claras de um bolo, compactas e previstas na forma, sólida, de um bolo.
 
Ao longo do livro o leitor viverá aquela espécie de compaixão misturada com repúdio. É um homem com seis meses de vida, numa sala, com as quatro mulheres devotas aos amores mais tenros e maduros da sua vida. Se, por um lado, lhe deseja o melhor, por outro, fica o travo da incompreensão só capaz aos mais afoitos. Talvez. Até ao momento.
 
Chegará o momento, então, em que todas as inseguranças de um professor universitário, virado para o seu mundo de literatura, se dissolvem na certeza de um desejo comum, um lugar comum a todos nós: as ânsias de ser amado.
 
Percorremos, assim, a jornada de vida de um homem condenado pelo tempo, pelo corpo, pela vida. As decisões finais que encerram vontades de um princípio, atribulado, mas com um destino: encontrar em cada mulher que amou, o amor necessário para se saber ido, mas chegado de pedra e cal a um futuro sólido.
 
Há quem diga, e bem, que na memória jamais morremos.
Para Pedro será, sem dúvida, o seu último desejo.
 
 
Boas leituras.

Quem quer um livro?

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Em parceria com a Alfaguara, estamos a oferecer um exemplar de «As Nossas Almas na Noite» de Kent Haruf.
Todas as condições estão no post, logo ali ao lado, no Facebook do Blogue.
 
Boa sorte!
 


Instrumental (James Rhodes)

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

James Rhodes tem 38 anos e o livro com o título «Instrumental» é a sua biografia.
Poderá, o leitor, questionar-se sobre os motivos de um homem tão jovem decidir-se a escrever a sua própria história. E eis que chegamos ao ponto que me permite explicar-lhe: James Rhodes foi vítima de abuso sexual aos 6 anos, perpetrado pelo seu professor de educação física, durante mais de cinco anos.
 
"(...) a música, literalmente, salvou-me a vida (...)"
 
Mais do que um relato comovente, limpo e cru da sua vida, o autor oferece-nos a redenção através do poder da música. Foi com Bach que a oportunidade à música clássica se lhe surgiu diante dos olhos, ainda menino, numa espécie de antídoto ao mais cruel cenário de quem rouba, por quem dá cá aquela palha, a inocência de uma criança.
 
"Não se trata de abuso quando um homem de quarenta anos enfia à força a sua piça no cu de um menino de seis anos. Isso nem se aproxima de abuso. É uma violação agressiva. Isso redunda em múltiplas cirurgias, deixa cicatrizes (interiores e exteriores), tiques, perturbação obsessivo-compulsiva, depressão, tendências suicidas, automutilação grave, alcoolismo, vício de drogas, as maiores perturbações sexuais que se possam imaginar, confusão de género (...), confusão quanto à sexualidade, paranoia, desconfiança, mentira compulsiva, perturbações alimentares, perturbação de stress pós-traumático, transtorno de personalidade múltipla e assim sucessivamente."
 
Implacável, o autor discorre sobre aquilo que é o abuso mas, sobretudo, as consequências a todos os níveis da vida de uma pessoa.
 
O receio de comiseração ou os olhares de terceiros, muitas vezes traiçoeiros, fizeram-no ponderar escrever. No entanto, pesa a consciência de um certo dever em partilhar as suas amarguras, na tentativa de incitar novos comportamentos, um agitar de consciências que se traduza no olhar devido, atento e preventivo de situações do género.
 
James Rhodes escreve com um coração assolapado e abre-se perante o leitor nessa partilha dolorosa e muito íntima, sobre uma vida de provação e superação.
 
Ao longo da leitura, o leitor conhecerá James Rhodes enquanto criança, adolescente e, por fim, homem (des)feito. Todas as fases atribuladas da sua vida, todos os momentos, foram pautados pela música clássica.
Se esta é uma biografia de um homem vítima de abuso sexual, é também uma partilha de superação perante as adversidades mais cruéis, comprovando que se no coração ainda resta espaço para uma paixão, a vida ganha segundas e terceiras oportunidades.
 
São as paixões que nos movem. E as pessoas.
A música clássica ofereceu-lhe perspetivas diferentes das respostas que sempre ambicionou. As pessoas, traduzidas no seu filho e na mulher que viria a amar incondicionalmente, mostraram-lhe a capacidade do ponto final. E o parágrafo do que virá depois.
Que seja a esperança.
 
Recomendo sem reservas.
 
Esta leitura contou com o apoio:
 
 
 
 
 
Boas leituras, muitos livros.

Onde?

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Onde tinhas a cabeça?
(...)
No coração.
 
 
Tão bonito.
Uma jovem de 17 anos.

O Romance Gótico (Virginia Woolf)

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Centrando-se no trabalho de Edith Birkhead, pioneira na arte do romance gótico, Virginia Woolf, no seu modo acutilante que já não nos estranha, mostra alguns dos seus  pontos de vista sobre as particularidades do género literário em questão.
 
A autora promove uma reflexão sobre o romance gótico e, sobretudo, o ponto alto que lhe permite ser apreciado. Na opinião de Virginia, nada há de novo ou interessante desde os seus primórdios, em 1764 com a conhecida obra «Castle of Ortranto» de Horace Walpole, considerado o primeiro romance gótico alguma vez escrito.
 
De forma sucinta, para Virginia Woolf, descrever um cadáver, uma assombração talvez, o vampiro ou outros, não escapa a uma espécie de neblina forçada, de quem sabe e não quer ver ou de quem quer ver, mesmo sabendo. Há uma ideia generalizada, neste ensaio, de uma presunção à partida, bem como a dificuldade e mestria necessárias, na escrita de um romance gótico. Quase morto às nascença.
 
Produzir o efeito de terror no leitor parece-lhe quase infundado, baseando-se numa crença que lhe justifica o que diz:
 
"São os nossos fantasmas interiores que nos fazem estremecer, e não os cadáveres de barões em decomposição ou as actividades subterrâneas de vampiros."
 
Serão os nossos fantasmas interiores os responsáveis pela tendência de procurar emoções fortes sem o perigo iminente, num pressuposto cobarde de não conseguirmos olhar para dentro?
 
Um ensaio de uma mulher que, como sempre, nos transcende, nos obriga a refletir para lá do óbvio, do aparentemente normal. Como só Virginia nos faz crer, na vida há sempre essa ponta solta a relembrar os fantasmas que nos assistem, e que nos ultrapassam, face às tentativas diárias de lhes escapar.
 
 
Um livro essencial.
Boas leituras,

Filhos e Amantes (DH Lawrence)

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Considerado uma das obras-primas da literatura do século XX, «Filhos e Amantes» de DH Lawrence foi, inicialmente, recebido numa onda de polémica. Algumas passagens, inclusivamente, foram cortadas pelo editor. Na altura, o autor acabou por aceitar, referindo: "(...) quero lá saber se [o editor] vai cortar uma centena de páginas duvidosas de «Filhos e Amantes». O livro tem de se vender, preciso do dinheiro para viver."
 
Tudo começa com a união de um casal.
Quando Mr Morel decide casar-se, fá-lo com paixão. E a mulher também. Uma história simples de amor que pareceu surgir do nada mas que na mesma proporção, parece extinguir-se na força dos dias. Pesados. Rotineiros. Disformes e desorganizados, em que o nascimento do primeiro filho ditará, para sempre, a separação iminente com laivos de uma raiva nunca exteriorizada.
 
«Filhos e Amantes» é a história de um amor materno doentio. Uma mãe que deixou de viver para si para se entregar, sem arnês, ao amor recebido e quase reclamado, dos seus filhos. É Paul quem melhor a conhece, a estima e preserva. Dos quatro filhos nascidos, será a simbiose desta mãe e do filho mais novo, a força constante de uma história por vezes delicada, por vezes angustiante.
 
Que a família nos pesa na alma, não é novo. Que a família nos incendeia os prenúncios daquilo que viremos a ser um dia, também não é novo. Mas mesmo as coisas que não nos são novas, não deixam de nos fazer refletir.
 
A forma como DH Lawrence expõe os demónios de um jovem que anseia voar por si interdito pela sombra de uma mãe que nada parece pedir, angustia e reclama reflexões cuidadas sobre o papel da família, dos elos aparentemente inocentes.
 
Um cliché, talvez. Porém, uma necessidade reconhecida.
Paul viu-se impedido de amar Miriam, jovem doce e inocente, ainda assim com garras capazes de o transformar naquilo que jamais ambicionara. Viu-se igualmente impedido de uma entrega verdadeira a Clara, mulher com o coração desarrumado, ainda assim, capaz de o amar.
 
Viu-se impedido de si mesmo.
De início ao fim, Paul é a personificação do medo de ir, para ficar, sem ficar. A amálgama de complexos imprimidos ao longo do tempo para nos mostrar, quase sem dó nem piedade, a fragilidade com que somos feitos. Uns bebés grandes a desejar, ainda assim, o quente de um colo expirado há muito.
 
Angústia maior, em prol de um amor que oprime, dificilmente se encontra.
 
 
Gostei muito. E recomendo.
Boas leituras,

Histórias de adormecer para raparigas rebeldes (Elena Favilli)

terça-feira, 3 de outubro de 2017

O livro «Histórias de adormecer para raparigas rebeldes», de Elena Favilli, presenteia-nos com a vida de 100 mulheres extraordinárias que souberam fazer a diferença, e cuja presença se mantém firme até aos dias de hoje.
 
Numa edição lindíssima e repleta de ilustrações distintas, o leitor terá a oportunidade de conhecer a vida de muitas mulheres que, firmes nas suas convicções, não desistiram de sonhar e dar forma às suas crenças.
 
Atualmente, que tanto se fala sobre a diferenciação de género, convido-o a ler este livro sem esse tipo de reserva. Este é um livro sobre mulheres mas, sublinhando a negrito, não apenas para elas. A autora consegue, com a obra, provar que sob a perspetiva de um olhar atento e consciente, homens e mulheres podem apreciar as conquistas de cada um, sem que o pipi ou a pilinha determinem o grau de importância das mesmas.
 
São mulheres, são pessoas como qualquer outras.
A grande diferença reside, precisamente, na capacidade de sonhar e levar adiante aquilo que carregam no espírito. É essa força de espírito que caracteriza a maioria das mulheres aqui presentes: pintoras, bailarinas, investigadoras, escritoras, modelos, entre tantas outras, mostram-nos, pela sua jornada de vida, que independentemente das adversidades, o caminho é feito sempre em frente.
 
Um livro que terá presença assídua por aqui.
 
 
Recomendo.
Sonhe muito,

Intrigas

domingo, 1 de outubro de 2017




Porquê rio Douro se ele
não é feito de ouro?

O Principezinho mais velho e as suas questões sempre pertinentes.
(Risos)
 
 
 
Bom Domingo,

A ler "A Prisioneira"

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

"Assim, quando um amor nasceu de uma hora angustiada relativa a uma pessoa, da incerteza sobre se poderemos retê-la ou se nos escapará, esse amor traz a marca dessa revolução que o criou e bem pouco tem a ver com o que até então tínhamos visto quando pensávamos nessa mesma pessoa."

 
Marcel Proust
A Prisioneira | Em Busca do Tempo Perdido (Volume 5)
 
 
Penso que ninguém escreveu tão bem o amor como Proust.


Nada (Janne Teller)

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O livro da dinamarquesa Janne Teller, recentemente publicado no nosso país pela Bertrand Editora é, numa palavra, desconcertante. Quer queira, quer não, é um livro que obriga a uma profunda reflexão sobre o significado da vida, sobre os propósitos, as jornadas de cada um, os objetivos e sonhos.
Estaremos, de facto, reduzidos a nada?
Quando Pierre Anton  decide que a vida nada mais é do que um nada, isenta de qualquer significado, decide deixar de ir à escola para subir a uma ameixeira a contemplar o nada.
Os colegas da sua turma de 7ºano, intrigados, questionam a atitude do Pierre, que os atormenta lá do cimo da ameixeira com argumentos que se colam nas indecisões de cada um:
"- Se vocês viverem até aos oitenta anos, terão passado trinta anos a dormir, nove anos a assistir às aulas na escola e a fazer trabalhos de casa, e catorze anos a trabalhar. Como já todos passaram seis anos a ser crianças e a brincar, e vão passar pelo menos doze a limpar, a cozinhar e a cuidar dos vossos filhos, só vos restam no máximo nove anos para viverem (...)."
Perante as deambulações de Pierre, os amigos começam a sentir uma necessidade inexplicável de o confrontar, de o contradizer, de encontrar afinal o significado que a vida tem. Tem de haver alguma coisa, forçosamente, a fazer sentido.
É nessa premissa que o grupo de colegas decide, em conjunto, reunir o máximo de coisas pessoais e que muito lhes diga. Coisas essas que devem gritar significado em cada um deles.
 
A pilha de significado, criada e nascida numa serração, é apenas o prelúdio de uma catástrofe iminente. A pressão gerada em cada um deles, a intimidade de verbalizar a importância de uma ou outra coisa, bem como os limites que quebram nessa busca teimosa, torna-se o grande propósito de Teller, na ambição de nos mostrar a quente a frieza de cada um. A pilha aumenta não só em tamanho como na perigosidade que, aparentemente, o significado das coisas tem de ter.
 
Eu repito-me quando digo que este livro é desconcertante. Induz no leitor a urgência de olhar para dentro, de questionar valores, vontades e atitudes. Estaremos, de facto, reduzidos a nada  e, à custa disso mesmo, vivermos iludidos na esperança desenfreada de o contradizer?
 
Através de um grupo de púberes, Janne Teller, cujo livro chegou a ser proibido na Dinamarca, escreve incisivamente, sem dó nem piedade, numa confiança invejável sobre as fraquezas do ser humano, a podridão escondida na sombra de fazer prevalecer vontades próprias.
 
E você, até onde vai para provar ao mundo aquilo em que (supostamente) acredita?
"Pierre Anton tinha ganhado.
Mas em seguida cometeu um erro.
Virou-nos as costas."
Com um fim ainda mais aterrador e inesquecível, e comparado ao brilhante «O Deus das Moscas», Janne Teller figura, agora, como uma autora que irei, com toda a certeza, seguir de perto.
Um credo de tão bom.  
 
Uma das maiores surpresas literárias do ano, recomendo sem reservas.
Partilho um vídeo em que a autora fala um pouco sobre os pontos principais da obra:


 
Boas leituras,

Palavra mal colocada #11

terça-feira, 26 de setembro de 2017





Há expressões que me despertam coisas más.
(Risos)




Economia emocional

segunda-feira, 25 de setembro de 2017


"Um pouco de desprezo economiza bastante ódio."
Jules Renard
 
 
 
Boa semana,

O Jardim das Borboletas (Dot Hutchison)

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

«O Jardim das Borboletas» de Dot Hutchison irá, certamente, provocar-lhe uma revolta nas entranhas. O leitor viverá numa eterna curva de Gauss cujas probabilidades de consternação, irritação, impotência e uma náusea sem fim, serão altamente garantidas.
 
Não estamos a falar de um livro que não supere expectativas. Não é bem essa a questão. Estamos, antes, a falar de um livro que pela temática em si, choca e oprime.
A história começa com um relato policial sobre a existência de um misterioso jardim com direito a borboletas e um empenhado Jardineiro. Esqueça agora os filmes da Disney porque: 1) as borboletas são raparigas e 2) o Jardineiro guarda-as em cativeiro para abusos de toda a espécie. 
 
Independentemente da escrita pouca madura de Dot Hutchison, esta é uma história que o prenderá pela curiosidade. São muitas as pontas soltas capazes de o fazer refletir: a personalidade do Jardineiro, dos seus filhos e, sobretudo, das meninas que representam as borboletas.
 
Ao mais astuto não faltarão as questões perante algumas atitudes e condutas por parte das raparigas, mais especificamente, a personagem principal, Inara.
Com é possível, perguntariam, uma jovem violada constantemente, entregar-se de ânimo leve ao filho do Jardineiro? Em que o sexo com ele chega a ser "(...) divertido."?
 
É possível sim. A Psicologia poderá explicar isto com base em duas Síndromes similares: A Síndrome de Estocolmo (simpatia gerada na vítima pelo abusador) e a Síndrome de Lima (inversamente, o abusador desenvolve sentimentos de afeto pela vítima). O ponto alto deste livro, pessoalmente, é que é possível interpretar e localizar as duas síndromes na história.
Há, no entanto, um objetivo particular na Síndrome de Estocolmo: a adaptação psicológica para a sobrevivência. É neste ponto que a complexidade humana só se vem a comprovar através das aparentes distorções de conduta numa situação de extrema pressão psicológica.
 
«O Jardim das Borboletas» é esse retrato fiel de um cenário macabro e as tentativas inconscientes e (aparentemente) distorcidas de um grupo de jovens a quem o destino lhe reservou a pior história.
Mais do que a história em si, recomendo o livro de Dot Hutchison sobretudo pelo alarme à complexidade do ser humano que não pode, nem deve, ser desconsiderada.
 
 
Esta leitura contou com o apoio:
 
 
 
Boas leituras,
 

[Ainda sobre a] Humidade

quinta-feira, 21 de setembro de 2017


O conto que dá título ao livro do brasileiro Reinaldo Moraes continua a dar-me que pensar. Esse em particular. Um Liminha que se apaixona perdidamente por uma Mariana. Porque ela é linda de mais. É encanto. É samba em dias de Inverno. É luz que lhe escurece as entranhas. É a esperança da carne. É um tudo e um nada. Um olhar distraído que lhe compra a atenção toda.

Este conto pergunta-me qual será então a verdadeira motivação de um amor que já nasceu - aparentemente - mas sem se materializar em si mesmo. Como pode? Afinal que gatilho ativa esse estado que todos invejam, que todos temem, que todos querem como animais desemparelhados?

Qual será a verdadeira essência? São os olhos? São as ancas? São as promessas de um fogo que desperta lá por baixo, sobe e inflama tudo o resto? O que é Liminha? Que tinha a Mariana para dar cabo de ti até ao fim?
 
Muito bom.
Para ler. Para reler. Para divagar.
 


A (Dis)funcionalidade do Amor

domingo, 17 de setembro de 2017


Amar é sofrer. Para evitares sofrer, não deves amar. Mas, dessa forma vais sofrer por não amar. Então, amar é sofrer, não amar é sofrer, sofrer é sofrer. Ser feliz é amar, ser feliz, então, é sofrer, mas sofrer torna-nos infelizes, então, para ser infeliz temos que amar, ou amar para sofrer, ou sofrer de demasiada felicidade - espero que estejas a perceber.
 
Woody Allen



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