Eu e Tu (Niccolò Ammaniti)

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Niccolò Ammaniti é um conceituado escritor italiano, cujas obras têm tido um forte impacto não apenas no seu país como um pouco por toda a parte. São quarenta e quatro os países cujas suas obras se encontram publicadas.
 
«Eu e Tu» conta-nos a história de Lorenzo, um tímido rapaz que sentia não gostar nem precisar das pessoas. Ele não precisava de mais nada que não o conforto quente assegurado pelos pais, pela sua casa e pelas suas coisas.
Chegada a idade de ingressar na escola, a sua falta de competências sociais veio acompanhada da preocupação crescente dos seus pais.
Decidem, pelo melhor de Lorenzo, consultarem um Psicólogo.
 
Perturbação Narcísica. Para os pais, o Psicólogo é que estava tolo.
A perturbação narcísica surge do mito grego de Narciso: o rapaz que despertava a paixão de todas as mulheres, nunca correspondida, numa postura arrogante de quem se basta a si mesmo.
Narciso, ao contemplar o seu reflexo num lago, apaixona-se por si mesmo e perante tamanha agonia, acaba por se suicidar (se desejar saber em maior detalhe sobre este mito, consulte o livro «Adolescentes Violentos» de  Yves Tyrode, Climepsi Editores).
 
Lorenzo conhecia as limitações impostas pela ausência de sentimentos para com os outros. Nada lhe parecia ser prazeroso na companhia de aparentes estranhos e colegas de escola. À mínima provocação sentida, Lorenzo respondia com agressividade, progredindo ao esperado (e desejado) isolamento.
 
A preocupação da mãe fê-lo despertar para a necessidade de mudar alguma coisa. Não intrinsecamente, apenas porque sabia que tal faria a mãe feliz, numa atitude desprovida de autenticidade: apenas de quem faz porque tem de fazer.
 
Como fazer amigos na adolescência com um adolescente inerte emocionalmente? Pela imitação.
Lorenzo começa a entender os filtros, os esquemas e padrões dos colegas mais populares, imitando. Um dia descobre que o grupo popular da escola combina uma viagem à neve.
Sem perceber como, informa a mãe que também fora convidado.
 
Ao encontrar a mãe a chorar de felicidade pelo convite, Lorenzo percebe que já não pode voltar atrás com a mentira. Prepara a viagem com o máximo de detalhe e, com a perícia de um adolescente, engana tudo e todos instalando-se no prédio da cave. Junto com ele, livros, bebidas e comida para assegurar aquela que, para ele, seria a verdadeira viagem de sonho.
 
Não contou, porém, com os imprevistos que a vida, num sentido de humor apurado, se encarrega de criar. Esse imprevisto tem o nome de Olívia, a sua meia irmã.
Olívia é a aragem fresca de quem o obriga a quebrar as suas próprias (e fechadas) regras. É na relação criada numa cave, sujeitos ao mínimo conforto, que Lorenzo perceberá, enfim, que o armário de gavetas meticulosamente arrumado em que transformara a sua vida nunca fora, realmente, o que mais almejou para si mesmo. Sentiu, pela primeira vez, a necessidade de pertencer, de estar e de ser.
Havia, enfim, despertado para uma vida com mais sentido, onde percebe um coração que bate para lá da função do corpo. Um coração que bate, também ele, ritmos de amor e de saudade.
 
Uma pequena história que, independentemente de uma mensagem tantas vezes repetida, nunca é de mais parar para refletir na sua urgência: o lugar das pessoas certas nas nossas vidas.
 
 
Recomendo.
Boas leituras.

Psicologia(s) #16


Pois. Dá que pensar.



No teu deserto (Miguel Sousa Tavares)

terça-feira, 22 de agosto de 2017


Cada vez me convenço mais de que as histórias de amor por começar, inacabadas ou mortas à nascença, são inadvertidamente as que duram para sempre.
 
Em «O Teu Deserto» um homem decide começar a escrever uma história, até então, escondida no seu passado, talvez pelo medo de enfrentar verdades irrevogáveis e finitas.
_ _ _
«Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer." 
A história retrata a viagem de um homem e de uma jovem, ao deserto. Ele fotojornalista, ela envolta num mistério de quem se tenta encontrar a si mesma.
A viagem é recheada das peripécias mais ou menos previsíveis neste tipo de contexto, contudo, acredito que mais do que a viagem propriamente dita, o que conta nesta pequena história, são as viagens interiores de cada uma destas personagens.
 
Há silêncios que afirmam a certeza da proximidade de duas pessoas. Há certezas de que tal proximidade não reclama dias, semanas e anos para se solidificar. Na verdade, bastaram quatro dias para que a relação deles, até então meros desconhecidos, se tornasse especial.

O amor tem destas coisas. Seja lá de que tipo, duração ou previsão.
O livro de Miguel Sousa Tavares, mais do que centrado numa viagem inesquecível ao deserto, sublinha a importância vitalícia de um alguém que sabe fazer, por nós, a diferença que agita e permite reviver memórias acompanhadas. Talvez por isso muito mais felizes, independentemente do seu fim.

Um livro de memórias, um livro de superação através da escrita, que dá forma, que traz sentido a uma dor que reclama lugar.
Que reclama um nome.

Uma boa surpresa.
Boas leituras.
 

O Silêncio dos Gatos

domingo, 20 de agosto de 2017


Se pudessem escolher, tenho a certeza, começariam a ler.
Modelo: Mirtilo (sempre no seu melhor!)

PsicoPAIta (Luís Coelho)

terça-feira, 15 de agosto de 2017


O nascimento de um filho é um dos acontecimentos mais felizes na vida de um casal. É, também, a soma de todas as mudanças que, apesar de previsíveis e esperadas, abalam a estrutura de uma casa.
 
Luís Coelho é publicitário, cronista e humorista. É num registo de humor, quase negro, que apresenta ao leitor uma (quase) sátira muito bem conseguida sobre os desafios atuais da parentalidade.
 
Se aos mais sensíveis a frontalidade do autor poderá chocar, acredite que por detrás dessa rebelião de palavras agridoces, se esconde um pai preocupado e apaixonado pelos filhos. O ponto alto deste livro é mesmo esse: um desabafo sincero e provocador de um pai que, independentemente das dificuldades, se mantém firme no seu papel:
 
"E este é apenas um dos papéis do pai que, antes de ser pai, é muitas outras coisas. É criado das hormonas da mulher, moço de recados, chauffeur, mordomo, empregado, cozinheiro. Enfim, um verdadeiro pau-mandado, ou melhor, pai mandado, lá de casa."
 
O leitor será confrontado a lidar com as mais profundas lamúrias deste pai, não esquecendo a  astúcia para críticas incisivas (e cómicas, claro está) a uma sociedade cheia de pressa, cujo troféu mais cobiçado passa por ser a melhor mãe, o melhor pai, o melhor tudo.
 
O autor sublinha o sentido de oportunidade das crianças. É todo um novo mundo que se afigura e cujas adaptações nem sempre são fáceis de gerir: deixar de fazer parte do grupo dos adultos fixes nas mesas de casamento, passar a falar única e exclusivamente sobre os filhos, guerrear pela melhor posição de pai e de mãe no infantário, resistir a um número cómico de horas de sono, manter a calma quando esta se extinguiu há meses, subjugar-se ao segundo (terceiro ou quarto) lugar na vida da mulher e lidar com cocós sem sentido de oportunidade, são apenas algumas das situações relatadas num humor irrepreensível.
 
Não se deixe iludir pela aparente psicopatia deste pai. Em todos os cenários há um lado bom e um lado mau. Na parentalidade não poderia deixar de ser diferente.
"Mas se, por um lado, anseio pelo descanso que é estar longe, por outro, sinto tantas saudades que o meu coração fica mesmo pequenino. Que feitiçaria é esta?
 
Recomendo sobejamente a leitura deste livro não só pelo humor que percorre todas as páginas mas, sobretudo, pela determinação do autor em expor assuntos que, aposto, todos os pais desejariam mas a quem lhes falta a coragem.
 
Boas leituras!
 

sobre o amor

domingo, 13 de agosto de 2017



O amor espera. É tensão que agita. Tumulto. Um fazer cair sem cair. Questões sem resposta. Um amo-te desconhecido. A beleza do ainda por dizer. Olhares que respondem para dentro. Um abismo de respostas ansiosas para se rebelarem. Agitadas. Contidas numa classe a quanto obrigas. Escondem beijos por dar. O impacto que terão. O sentido. O dia a seguir. O depois desse dia. O abraço que se perde no caminho. É a espera. Não estraga. Não estraga a beleza das coisas pequenas. É o tempo. Para crescer. Solidificar. Sem ventos fortes ou chuvas fora de tempo. Demolidoras e intensas. Devastadoras.
O amor tem sempre a classe de um relógio suíço. Certeiro na chegada. Como raízes pequenas, que crescem na medida dos dias. Crescem. E crescem. E crescem.


Bauman

 
Amar não é comodismo e, muito menos, uma moda.

Benjamim (Chico Buarque)

sexta-feira, 11 de agosto de 2017


Chico Buarque é um conhecido músico, um dos nomes mais sonantes da música popular brasileira, sendo também dramaturgo e escritor.

Numa narrativa altamente cinematográfica, este segundo livro do autor conduz-nos às dores de Benjamim, ex-modelo e que, agora, se concentra em analisar, ao mais ínfimo detalhe, o decorrer de uma vida repleta de mistérios por resolver.
O maior mistério chama-se Castana Beatriz. Depois do estranho desaparecimento e morte desta mulher, a única que amou, Benjamim concentra os seus dias já maduros na procura de respostas que lhe possam acalmar o espírito.

Todo o livro se concentra na procura desesperada daquela mulher, da sua história, da sua origem e do seu fim. Encontra, porém, Ariela: mulher que só pode ser encarnação de Castana.
Nunca saberemos.

A história que Chico Buarque nos apresenta assenta numa simplicidade enganosa. O estilo narrativo destaca-se pela subtileza, pela incompletude e, sobretudo, por essa característica de quem consegue fazer oscilar o leitor entre espaços temporais tão diferentes, num vaivém de questões sem resposta aparente.

Mais do que uma história em que um homem segue o rasto de uma mulher, «Benjamim» é a personificação da perda, do amor e das esperanças vãs.


 
Com o apoio:

de repente...

segunda-feira, 7 de agosto de 2017



Amor Líquido (Zygmunt Bauman)

sábado, 5 de agosto de 2017


Zygmunt Bauman é considerado um dos mais atentos observadores das condições do mundo atual. Nessa sequência e fruto das suas investigações, criou o conceito de «modernidade líquida» para a sociedade de hoje. Nada é para durar, aparentemente.
Nasceu na Polónia, em 1925, onde estudou Sociologia na Universidade de Varsóvia, ocupando a cátedra de Sociologia Geral.
 
«Amor Líquido», um dos mais aclamados livros do autor, foca as particularidades (atuais) do relacionamento humano cujos "personagens centrais são homens e mulheres (...) desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis."
 
A tendência dos dias de hoje, em matérias de amores e corações assolapados, é firmada por um receio generalizado. Receio de dar sem receber. Receio de se entregar na incerteza da vontade do outro. Atualmente, as relações amorosas e a criação de uma ligação duradoura é, cada vez mais, sentida como uma armadilha a ser evitada a qualquer custo.
 
Os porquês escondidos entre tanto receio é um dos grandes propósitos do autor.
A ideia de «viver junto» com alguém, dar de si sem arnês, parece cada vez mais uma utopia com sapatos de Cinderela à mistura. Sapatos que não nos permitem desbravar o caminho da intimidade. Em alternativa, caminha-se pelos trilhos de uma modernidade imposta, em grande parte, pelos avanços tecnológicos e as redes que se estabelecem no invisível, no fácil, no imediato. No entanto, mesmo as relações cada vez mais pautadas pelas teclas «enter» e «delete» não deixam, ironicamente, de contribuir para a ansiedade, a pressão e a necessidade de estar, sempre, presente.
 
Os dias de hoje são pautados pela desaprendizagem do amor, este, assente num novo status, muito mais reciclável. Num paralelismo extraordinário, o autor compara as relações pessoais às relações de consumo: vamos usar até deixar de fazer falta. Enquanto o produto está apto, cativante e capaz de nos realizar, pode manter-se ali. Quando deixar de obedecer à regra do bom uso, nada como uma tecla «delete».

Falemos em amores de bolso: são pequenos, capazes de se adaptarem rapidamente e, na mesma medida, capazes de desaparecerem na força da nossa própria vontade.
O que me dirá: interessante ou assustador?
 
Na mesma linha de pensamento de Lucano ao defender a ideia "É natureza do amor ser refém do destino", Bauman aponta-nos o dedo para afirmar que o amor exige a incompletude para encontrar o seu real significado. Talvez a crise de valores que se vive atualmente possa, de facto, ser explicada por dois pontos bem assentes nesta obra: a ausência de coragem e humildade.
 
Não acredite o leitor nessa capacidade tão instantânea de amar, como comida pré-feita. Não acredite o leitor nessa fusão de amor e desejo sendo que, na verdade, o último carece dramaticamente do primeiro, numa simbiose perigosa, mas necessária. Não acredite o leitor que faz parte de uma comunidade através de alertas, constantes, de mensagens soltas. Não acredite o leitor que tais conversas detêm significado. O paradoxo atual das redes sociais passa, essencialmente, por essa ilusão de pertença. A quem? A quê? E quando?
 
São muitas as questões a que Bauman o desafiará refletir.
Muitos outros pontos são abordados ao longo da sua investigação como, por exemplo, a globalização, as políticas e todo um conjunto avassalador de mudanças sociais que, aparentemente, justificam e fazem prevalecer a tendência ao isolamento como utopia de uma segurança vazia. Da construção de um amor-próprio, unilateral e doente à nascença.
 
Pessoalmente, a forma como os laços humanos tendem a afastar-se, cada vez mais, nada tem de interessante. O cenário assustador que Bauman nos revela, permite-nos perceber (mesmo que não queiramos) a constante conspiração contra a confiança.

Vamos pensar mais sobre isto.
 
Recomendo com ambas as mãos.
CopyRight © | Theme Designed By Hello Manhattan