A infância é um território desconhecido (Helena Vasconcelos)

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Helena Vasconcelos foi, e continua a ser, uma das grandes surpresas deste 2021. Escreve com clareza e bondade, não se resguarda e dá o conhecimento sem pejo. Isto, por si só, já descreve um bom autor.

«A Infância É Um Território Desconhecido» é um ensaio centrado na literatura e na criança como personagem principal. Aqui a infância é retratada, e respeitada, em torno das inúmeras histórias que ficarão para sempre no nosso imaginário. 

A premissa não poderia ser mais bonita. Aqui lemos as variações que o conceito da infância tem sofrido ao longo do tempo, desde a época em que a criança era vista como "um adulto em miniatura" até às novas concepções da Rainha Vitória, que sempre deu especial atenção às dinâmicas familiares e o cuidado aos mais pequenos (independentemente das conhecidas oscilações de humor da Rainha, a verdade é que o seu papel foi e continua a ser determinante na forma como ainda hoje percecionamos as famílias). A par de toda esta evolução conceptual, Helena Vasconcelos vai tecendo pontos de reflexão muito pertinentes à luz das personagens infantis que revestem o nosso imaginário. Desde "Peter Pan", "Alice no País das Maravilhas", "Tom Sawyer" ou "Mulherzinhas", vamos conhecendo curiosidades imperdíveis e que nos fazem pensar sobre o lugar da criança. Será a criança má ainda antes de nascer? De onde vem a associação das crianças à inocência?
Estas são só algumas das muitas reflexões que acabamos por fazer e que se perpetuam. 

Num trabalho de pesquisa e investigação muito aprofundado, a autora revela aqui o seu enorme à amor à literatura e, à luz da infância, convida-nos a também nós refletirmos sobre uma das fases mais especiais, desafiantes e importantes do nosso desenvolvimento.

"(...) afinal, como é que adultos imaginam figuras de crianças e escrevem sobre elas?"

Este é um exemplo, entre muitos, dos questionamentos feitos pela autora e que nos levam a considerar, na mesma medida, a infância dos próprios autores que tanto gostamos e de que forma os seus tenros anos formaram os escritores que foram, que são.

Correndo o risco de me repetir, esta é uma das premissas mais bonitas de que tive oportunidade de ler num ensaio. Neste pequeno livro abrem-se inúmeras curiosidades muito apetecíveis aos prezados amantes da literatura. 

É um ensaio no qual se aprende muito e, ao mesmo tempo, nos divertimos na curiosidade saciada entre (tantas) peripécias de alguns dos nossos autores mais estimados.

" Os contos para crianças - e com crianças - têm acompanhado as mudanças da sociedade, e a forma de «ler» a infância tem alterado a maneira como criamos, educamos e amamos os nossos filhos e netos, bem como a forma como todos nós como indivíduos construímos o nosso imaginário, a partir da infância."

 

Espero que leia. E espero que goste.

Boas leituras.

Instinto (Ahsley Audrain)

quarta-feira, 16 de junho de 2021

 

Esta é uma história que não o vai deixar indiferente. Tudo começa quando um homem e uma mulher se apaixonam. A partir daí, sucede a dita ordem "natural" das coisas: apaixonam-se, namoram, sentem cada vez mais a necessidade de partilharem as suas vidas, casam-se e, mais tarde, vivem a realidade de uma gravidez muito desejada.

Até aqui, caro leitor, parece-nos uma história bonita, previsível, mas não tanto assim. Na verdade, de previsível, pouco tem. A partir do momento em que a sua filha nasce, esta mulher sente a vertigem constante em que a sua vida se transformou. Não há sossego. Seja porque a filha grita sempre quando está perto da mãe. Seja porque a mãe não se sente intimamente ligada à sua bebé. Seja pelos os sentimentos de comparação com o marido e o amor que a filha nutre por este, há uma série de acontecimentos que só afundam ainda mais o abismo em que esta mulher parece estar destinada a cair.

O facto de não se sentir verdadeira e emocionalmente ligada à sua filha, esta mãe vive um tormento quase palpável ao longo das páginas que dão forma a esta história. Questões relacionadas com o seu desempenho enquanto mãe, as suas qualidades e capacidades vão sendo, gradualmente, postas em causa. Uma a uma, igualmente potenciadas pela menina, agora, mais crescida e com uma intenção clara de afastamento da mãe.

A primeira questão que surge e que faz deste livro um dos suspenses psicológicos mais aflitivos que já li, é: estará esta mãe a contar-nos a verdade? Estará esta mãe realmente convicta de que a filha não a ama? Estamos, de facto, perante uma criança naturalmente má?

No momento em que a mãe é agraciada por uma segunda gravidez, tudo parece mudar. O amor materno é uma certeza assim como a vontade, quase inconsciente, do típico "agora farei tudo muito melhor". Concentrada nesta realidade, parece-nos, por vezes, que o afastamento da mãe e da filha é ainda mais evidente, além de que a estrutura do casamento e a relação do casal, está igualmente nas ruas da amargura. Mas esta mãe não quer saber assim tanto disso, é o que nos parece. O mais importante é o amo que nutre pelo seu filho e que sabe ser amplamente recíproco.

Até ao dia em que uma tragédia acontece. O estalar do verniz de uma família aparentemente já ditada a um caos inimaginável. Não poderei contar-lhe mais até porque é este o momento de viragem e que nos deixa com ainda mais questões para refletir e, de certo modo, nos assustar com as infinitas possibilidades que um sistema familiar pode abarcar. Acredite, pode realmente ser assustador pensar nas temáticas que a autora nos propõe.

A verdade é que, mais do que um suspense psicológico, "Instinto" é um livro que nos narra a experiência da maternidade não romantizada.
De forma muito crua, muito real, conhecemos uma mãe feita de dúvidas, desamparada nas inúmeras questões e projeções de uma sociedade que parece saber tudo na ponta da língua mas que não passa disso mesmo: um saber muito estereotipado e redutor.


Este livro surpreendeu-me pelas verdades difíceis, que ninguém, muito menos uma mãe quereria enfrentar: terei dado à luz um bom ser humano? Terei criado um monstro? Qual o meu papel no seu presente e no seu futuro? Serei eu, afinal, boa mãe?


Uma história muito bem construída e que se alimenta, para lá do suspense, de verdades dificilmente expostas sobre o amor maternal e o poder sombrio que se esconde (e vive) em todos os sistemas familiares.

 

Seja feliz,

 

O Homem mais Feliz do Mundo (Eddie Jaku)

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Eddie Jaku é um sobrevivente. Jurou a si mesmo que se saísse vivo do campo de concentração, iria sorrir todos os dias. E assim fez. A vingança improvável de um homem que, ao invés de se focar na perda e no sofrimento sem escala, optou por responder às agruras da vida, sendo feliz. Este livro é uma lufada de ar fresco, que sublinha o poder que nos é transversal a todos: seremos sempre nós os responsáveis pelas nossas escolhas e que a felicidade é possível se assim o decidirmos. Eddie decidiu e escolheu. Escolheu ser o homem mais feliz do mundo.

Este é também um livro que se transforma em estalo de luva branca: que andamos nós a fazer da vida? Vítimas queixosas porque tudo nos corre mal ou responsáveis pelas voltas que a vida dá e pela nossa mestria em transformar a adversidade em oportunidade? Para pensar, não me dirá?

Ao longo desta leitura, sobre um tema tão pesado e difícil, o leitor dá consigo mesmo a pensar que a vida é, realmente, uma preciosidade e que somos os únicos responsáveis pelo ponto de foco ao qual decidimos concentrar a nossa atenção. Eddie Jaku é um homem bem disposto, confessa-se pouco hábil na escrita mas a verdade é que passa a sua mensagem como ninguém. Este é um livro sobre um tema que, infelizmente, todos reconhecemos como um dos piores de sempre e, ainda assim, na escrita sorridente do autor, assistimos a brechas de luz, aqui e ali, pela forma consciente que assumiu ao longo de toda uma penosa jornada.

Este é um daqueles casos em que as agruras da vida se transformam em oportunidades. A vontade de viver superou os sofrimentos constantes, físicos e psicológicos. Eddie construiu uma vida após os escombros em que a mesma se havia tornado. Semeou as sementes certas e, independentemente do solo não adivinhar boas colheitas, a sua consciência forte e focada, permitiu-lhe virar a página e seguir em frente. Obviamente, com as bagagens do passado bem perto, relembrando que a vida é esse oscilar de pêndulo, ora para lá, ora para cá, mas sempre embalada no igual ritmo de quem sabe que tudo passará.


Um livro que é uma verdadeira lição de vida e o qual recomendo com ambas as mãos.


Seja feliz. Feliz Sexta-feira.

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Seja feliz,


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