À espera no centeio (J. D. Salinger)

segunda-feira, 26 de março de 2018

Se procurar a definição de «adolescência», o Dicionário de Psicologia (Roland Doron e Françoise Parot, Climepsi Editores), dir-lhe-á, segundo E. Jalley e J. Selosse, o seguinte: "A adolescência é uma fase de reestruturação afectiva e intelectual da personalidade, um processo de individuação e de metabolização das transformações fisiológicas ligadas à integração do corpo sexuado. Nos dias de hoje, é difícil precisarmos o seu fim, na medida em que são inúmeros os casos de adolescentes prolongados que continuam a trabalhar a sua personalização (...)".

Salinger com o clássico incontornável, «À espera no centeio» traz a lume as inconstâncias da adolescência, através do inesquecível Holden Caulfield, expulso mais uma vez dos colégios que frequenta pela sua má conduta, indiferença e desempenho nulo.
 
A história deste livro desenrola-se no momento específico em que Holden é, novamente, expulso e os dias que se seguem até os pais receberem a carta com o seu veredito. Ao invés de rumar até casa, lidando com as possíveis e esperadas consequências, o jovem decide viajar até Nova Iorque aproveitando a liberdade daqueles parcos dias.
 
Será essa viagem o centro de toda a história. A história de um adolescente, as suas mágoas, os arrependimentos, a necessidade de liberdade, as urgências desconhecidas de um corpo que lhe reclama constantemente, as amizades, os fracassos, as emoções inesperadas, as decisões que teimam em imperar.
 
Durante dia e noite, acompanhamos Holden à procura de si mesmo. Através dos bares, impróprios para a sua idade, as amizades que teima fazer, ao sexo que se impõe mas que o amedronta e aos medos que qualquer jovem daquela idade tem, sem o querer admitir.
 
As convicções fortes são, também elas, características desta idade. Holden mantém-se firme na ideia de jamais voltar para casa. Deseja viver por si mesmo, com o dinheiro que virá a ganhar não sabe onde, um desejo pela autonomia a demarcar essa adolescência de pedra e cal. No entanto, o peso da nostalgia pelo irmão já falecido, e a saudade premente da sua irmã mais nova, Phoebe, fazem tremer-lhe o chão, agora, pouco firme de convicções.
 
A adolescência é esse lugar incerto das certezas aparentes. Holden Caulfield personifica um tempo, uma fase, um lugar demarcado pela rebeldia de quem ainda não se encontrou.
O livro de Salinger, desde a sua primeira publicação em 1951, mantém a frescura dos tempos atuais, provando e afirmando a adolescência como um tempo tortuoso que projeta o futuro, lá mais à frente.
 
Um livro magnífico sobre um adolescente anti-herói, numa procura desenfreada de si mesmo. Uma história a fazer-nos refletir na adolescência como um manto que, não só nos atravessa a todos, como muitas vezes, se mantém firme nas convicções futuras, sem desaparecer por completo. Não sonhamos todos, novos e velhos, com uma resposta que nos oriente de uma vez por todas?
Talvez se trate desse constante "trabalho de personalização", como afirmam os psicólogos.
 
Recomendo com ambas as mãos.
 
 
 
Boas leituras,

8 comentários:

Carlos Faria disse...

É sem dúvida um magnífico livro sobre as instabilidades da adolescência e excelentemente escrito.

Denise disse...

Carlos,

Como diria o Holden: "bestialmente bom!" :)
Boas leituras

Beatriz disse...

:)
Gostei tanto, tanto.
Tudo o que Salinger escreveu devia ser de leitura obrigatória.
Fosse eu uma ditadora e verias ;)

"All morons hate it when you call them a moron."
"Who wants flowers when you're dead? Nobody."
:DD

Já leste Franny and Zooey?
Li-o aos 17/18 e acho que foi mesmo na altura certa.
Os diálogos, tão bons!

"I’m just sick of ego, ego, ego. My own and everybody else’s. I’m sick of everybody that wants to get somewhere, do something distinguished and all, be somebody interesting. It’s disgusting.”

"I'm sick of not having the courage to be an absolute nobody."

(Como podes ver, o meu cérebro absorve imensa informação "inútil" :) )

Beijinhos, Denise.

Denise disse...

Ahahahah, Beatriz!

Muito bom! :)
É a minha estreia com o Salinger (vergonha!) e adorei, adorei, adorei. Tanto que já ando a ler a biografia dele (de Kenneth Slawenski) e depois tenciono ler tudo. Tudo. Tudo.
(A repetição é a intenção de reforçar o meu empolgamento).

Qual informação inútil, uma maravilha :)
Beijinho!

teresa dias disse...

Olá, Denise!
Estou a acabar e ler... e a adorar!
Bela texto o seu. Boa!
Beijo.

Denise disse...

Olá Teresa!

Que bom, eu também adorei e pretendo continuar a ler mais do autor.
Muito obrigada pela simpatia :)
Beijinhos e muitas leituras!

Bárbara Ferreira disse...

Adoro absolutamente Salinger. Li este primeiro - depois o Franny and Zooey, depois o Nine Stories, por último o Raise High the Roofbeam Carpenters; Seymour, an introduction. Os três últimos têm alguma linha de encadeamento entre si, e são todos sublimes. Tenho pena do rumo que o autor escolheu posteriormente para a sua vida e carreira literária, mas é aquela pena egoísta, de quem gostaria de poder ler mais...

Denise disse...

Olá Bárbara,

Foi a minha estreia com o autor e não poderia estar mais satisfeita, gostei imenso.
Pelo lado positivo, ainda tenho muito para ler ;)
Boas leituras!

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