A Desumanização (Valter Hugo Mãe)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Este livro é feito de poesia. Um saco com poesia lá dentro. De início ao fim, abre-se o saco e assim, como por magia, as palavras soltam-se sem dó nem piedade num emaranhado sofrido, para evocar uma dor sem retorno, como só as palavras sabem fazer. Como os poemas. As palavras que trazem coladas as sombras daquilo que o coração sente. É assim este novo livro de Valter Hugo Mãe.
"A morte, ainda que possivelmente inteligente, não teria força contra sentir-se a falta de alguém."
Pois não. E Halla entra assim numa espiral de palavras soltas após a morte da sua irmã gémea. Num poema sem fim, com a esperança de um fim à vista. Entrando numa descrença de si mesma, alma e corpo, corpo e alma. Fazendo as coisas mais inesperadas, tentando encontrar-se consigo mesma, com a irmã do outro lado do espelho, ou nos confins de uma terra sem semente, que não floresce. Um vazio. Sem nada dentro. Um vazio cinzento como as almas. Ou como as ovelhas.
E como a Islândia, fora de um mapa que Deus não reconhece, assim vamos acompanhando o coração de Halla que aprendeu, quase sem querer, as palavras e o som do amor, num misto de dor e crueldade. Um livro com poesia que corta ao mais ínfimo pormenor.
Ao pormenor de quem perde, e sabe que não retornará.
Ao pormenor de um novo caminho, que desintegra partes que nasceram para ser uma só.
Ao pormenor da dor e do pensamento que a vai carregando, mais e mais, num coração cansado.
"Arrancarei o coração e, depois de seco, servirá de trapo para limpar coisas estúpidas.
Coisas vulgares.
Não servirá para mais nada."
(...)
"Terei pena dele. Estará como um animal antigo que perdeu a qualidade dos novos dias. Sem visitas. Será apenas a humilhação entristecedora de todos os afetos."
"O meu coração sem visitas perderá a memória e, quando nos separarmos de vez, certamente será mais feliz."
 
Como o próprio autor o refere, "um livro de ver". Um livro muito intenso, em que a tristeza assume lugar de ordem, sem que a resistência ao coração cansado não se deixe igualmente pronunciar das formas mais inesperadas.
 
Recomendo, e fazendo-me lembrar vivamente a obra de Laxness «Gente Independente», criou em mim uma paixão imediata por este livro.
 
Ao som de: Bon Iver "I can't make you love me"
 


3 comentários:

Raquel disse...

Adorei a opinião.
Dei este livro à minha mãe no seu aniversário e ela também adorou.
Já está na minha lista de livros para ler!!
Boas leituras**

Denise disse...

Obrigada Kel :)

Sim, é um excelente livro. Gostei imenso, assim como tenho ficado admirada com a mestria de Valter Hugo Mãe nas outras obras que já tive oportunidade de ler, como «O Apocalipse dos Trabalhadores» e «A Máquina de Fazer Espanhóis».
Um grande autor português!

Muito bom mesmo...

Raquel disse...

Olá!

Eu li apenas um livro dele: "O Filho de Mil Homens". O autor sabe mesmo escrever de uma forma incrível!
A minha mãe também o adora, por isso tenho lá me casa mais alguns livrinhos dele para ler :)
Já tenho uma lista gigante de livros para ler....:p

Bjinhos

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