Proibido (António Costa Santos)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

 
 
"Proibido", do jornalista António Costa Santos, é um livro centrado no Estado Novo, regime político em nada desconhecido por todos nós, mesmo para aqueles que não o tenham vivido na pele, como é o meu caso.
De apenas proibido no título, este livro é uma obrigatoriedade na estante de qualquer português que ouse recordar uma época tão amarga e que proclama questionamento, como o autor mesmo refere: "Como fomos capazes de sobreviver?".
Através de uma estrutura exemplar, vamos acompanhando uma série de ridículas proibições, muitas delas classicamente conhecidas mas que, no entanto, mesmo conhecendo eu a maioria delas, não deixei de aprender uma série de ampliações dessas mesmas proibições. Por exemplo, na tão conhecida proibição da minissaia ou dos centímetros certos a usar nas saias das meninas e senhoras, desconhecia uma "lei" quanto a combinações de cores, onde preto e vermelho ou preto e laranja eram tidas como provocadoras aos olhos dos homens.
 
 
Imaginem um mundo em que a leitura dos livros era restrita, e vigiada atentamente. Um dos aspetos mais interessantes foi saber da existência de estantes com fundo falso nos pisos inferiores das livrarias: "(...) onde eram guardados, logo à chegada, os livros que o experiente livreiro sabia estarem na mira da ditadura." (p.25)
Muitas vezes a revisão dos livros era feita num "só porque sim" irritante de quem manda.
 
 
Confesso que a presente proibição é a das que, pessoalmente, me agita mais. Pelos reais motivos em que tudo decorre: "(...) Lembra Paulo, no capítulo 11 dessa carta, que, tal como o pão simboliza o corpo de Cristo e o vinho o seu sangue, a cabeça simboliza uma hierarquia estabelecida que desce de Deus para Cristo, de Cristo para o homem e do homem para a mulher. Deus é a cabeça de Cristo; Cristo é a cabeça do homem; e o homem é a cabeça da mulher. Nesta passagem, cabeça significa fonte de autoridade e não de superioridade, apressam-se a explicar os especialista do cristianismo, não se livrando contudo de verem o princípio classificado de machista (e bem! - isto sou eu que digo!)
Segundo a Bíblia, Deus e Cristo são iguais, são um, mas, como homem, Jesus provém de Deus e é nesse sentido que Deus é cabeça de Cristo. Ora, o Génesis afirma que a mulher deriva do homem, mais propriamente de uma costela de Adão. Logo, o homem é a cabeça da mulher.
E Paulo explica que o homem não deve cobrir a cabeça por ser «a imagem e a glória de Deus» e não é apropriado que a glória de Deus se apresente com boné perante Ele. (...)
Pela mesma razão, a mulher deve cobrir os cabelos por ser a «glória do homem». Se na ordem da criação ela é subordinada do homem, esta hierarquia também deve ser reconhecida na igreja e manifestada através do véu que a mulher usa sobre a cabeça." (p.52)
Não. Não vou tecer qualquer comentário além do aqui transcrito. O silêncio, por vezes, é indicador de uma superioridade muito maior do que qualquer palavra. Dita ou escrita. (O meu silêncio está a rir-se)
 
 
Outra clássica. E muito frequente. Sempre de vigia, à espera de uma falha, atentos ao pormenor de uma iminente distração de quem quer viver um pouco. Biquíni de uma peça só. E nada de umbigos à vista!
O autor do livro conta uma história deveras caricata ocorrida naquele tempo: "(...) a história de uma inglesa que, interpelada por um polícia marítimo, no sentido de cobrir a barriga, aos gritos de «just one piece", uma peça, fato-de-banho só de uma peça, nada cá de sutiã e cuecas, terá entendido menos bem o inglês da autoridade e tirou a parte de cima do biquíni. "Se é só uma peça, fico com a de baixo, OK?"
 
 
E por último, uma igualmente clássica mas que não posso deixar de a referir. Tanto pudor, e se eventualmente a paixão entre duas pessoas resvalasse um pouco, terminando num tímido beijo, poderia acabar em prisão: "Levado para a esquadra, ou para o posto da GNR, o delinquente hétero-beijoqueiro era identificado, autuado em pelo menos 57 escudos (...) e passava invariavelmente pela cadeira agente-graduado-em-barbeiro, de onde saía de cabeça rapada, máquina zero." (p.117)
Caso para dizer, beijos que saíam (muito) caro.
 
Entre estes, outros sinais de «proibido» fazem parte deste pequeno e interessante livro, deixando muito para pensar.
Desde a famosa proibição dos isqueiros, às coca-colas e ao simples ato de sacudir o pó à janela, encontramos uma série de pequenas e grandes proibições, muitas delas coladas na mente e nos costumes lusitanos, mesmo quando essas referidas leis não o são realmente.
Mas diz-se que é proibido.
E não se fala mais nisso.
 
Uma leitura que recomendo vivamente.
 
 
Boas leituras!
 
 

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Por norma não costumo ler romances de jornalistas: Rodrigues dos Santos, Sousa Tavares, etc. Abri uma exceção para as obras históricas de João Aguiar, mas fiquei na dúvida se este livro era um romance ou um documento histórico, o que é diferente.

Denise disse...

Não, não é romance :)
Também não tenho esse costume, de ler romances de jornalistas apesar de agora, curiosamente, estar a ler Miguel Sousa Tavares (estreia!).
Este livro de António Costa Santos é baseado numa pesquisa cuidada daquele tempo e das proibições mais genéricas às mais específicas, regulamentadas por Lei e outras... nem por isso.

Vale muito a pena.

Boas leituras!

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