A Casa dos Espíritos (Isabel Allende)

domingo, 28 de fevereiro de 2016










CONTÉM SPOILERS

São muitos os livros que tenho de Isabel Allende na estante. Aguardavam um bom momento que parecia nunca chegar. Em 2008 decidi começar a ler «Eva Luna», mas fruto de muito estudo naquela altura, não o cheguei a terminar, acabando por desistir da autora, uma vez mais.
Volvidos todos esses anos, mais livros da autora acabariam por chegar à estante.
 
Decidi-me, então, a começar por esta «Casa dos Espíritos», a sua primeira obra. Penso que não poderia ter escolhido melhor, tal é, agora, a vontade de querer continuar a conhecer e desbravar mais e mais a obra desta peculiar autora.
 
Em «A Casa dos Espíritos» acompanhamos a história de três gerações de mulheres sob o pano de fundo das enormes mudanças políticas sofridas no Chile em 1973.
 
Duas famílias. Três mulheres. E um homem.
Da família Del Valle, conduzida por Nívea e Severo, destacam-se as filhas Rosa e Clara, a mais nova do clã e a mais peculiar criança que o mundo parece ter conhecido desde então. Clara fala com os mortos, lê pensamentos alheios e move objetos apenas com o poder da sua mente.
De Rosa, conhecemos a sua ímpar beleza, cabelos verdes e formoso corpo que não deixará indiferente Esteban Trueba. É que se antes seguro estava de não cair em amores profundos, Rosa foi a prova viva do seu engano, forçando-o às conquistas tontas que o enamoramento obriga, lançando-o igualmente no trabalho das minas, desejando conquistar a maior fortuna, meritória de um destino conjunto com a sua Rosa.
 
Com um legado inquestionável do tio Marcos, homem sonhador e entretanto falecido, Clara afeiçoou-se a Barrabás, cão do tio e agora seu amigo fiel, seguindo os seus passos com firmeza e lealdade, crescendo em limites de Natureza alheia, assustando até os mais destemidos.
 
Um dia, Clara prevê a morte da irmã Rosa. Daí se adivinhariam 9 anos sem lhe conhecer a voz. Falou novamente para anunciar que se casaria com o outrora noivo da sua irmã, Esteban Trueba.
 
Este é o marco definidor da história que se seguiria.
Clara transforma-se no papel de esposa de um homem empreendedor, macho e prepotente, apesar de todo o amor que lhe sente e, sobretudo, pelo receio de nunca sentir em Clara o mesmo amor e aceitação que deseja avidamente. Muitas vezes o expressa, numa tristeza desesperada, que Clara não pertence a ninguém:
"Clara habitava um universo inventado para ela, protegida das inclemências da vida, onde a verdade prosaica das coisas materiais se confundia com a verdade tumultuosa dos sonhos, onde nem sempre funcionavam as leis da física ou a lógica." p.83
Dessa união sem amor, marcada apenas pela aceitação do destino, Clara dá à luz Blanca, a segunda mulher desta vibrante história.
Se a mãe não conheceu o amor na sua plenitude, conheceu-o Blanca com Pedro Tercero Garcia, filho do administrador da quinta do seu pai e que, obviamente, pelas suas diferenças de estatuto social, jamais aceitaria tal união.
Clara nunca conheceria o amor, a sua filha conhecera-o de cor, mas vivendo-o sempre na clandestinidade e com consequências que se iriam arrastar por muitos e longos anos.
 
Alba será uma das consequências desse amor sem limites de Blanca e Pedro, que independentemente de ter acendido a fúria do violento e intransigente Esteban Trueba, ama a neta incondicionalmente ensinando-o, mesmo que subtilmente, a modificar formas de pensar antigas e obsoletas.
 
 
Poderia discorrer muito mais sobre esta história mas penso que o melhor a fazer será recomendar a sua leitura. É um livro repleto de personagens que se tornam inesquecíveis pela sua riqueza e complexidade, cada uma à sua maneira.
Clara é, sem dúvida, a personagem mais inesquecível de todas, o pilar de toda uma casa adornada de espíritos vivos e desnorteados, a carecer de um urgente sentido:
"Alba sabia que a avó era a alma da grande casa da esquina. Os outros souberam-no mais tarde, quando Clara morreu e a casa perdeu as flores, os amigos viandantes e os espíritos brincalhões e entrou em pleno na época da desordem." p.268
A escrita de Allende é especial, impondo uma beleza intocável com os seus presságios de mau agouro, assegurando a atenção dedicada do leitor e o seu interesse fiel na condução de uma história muito bem estruturada que, mais do que a trajetória de uma enorme família, é igualmente reveladora de um grande marco político no Chile, uma questão que pessoalmente me parece fulcral no interesse do livro e da história.
 
E é assim, através dos cadernos guardados há vários anos e escritos a várias mãos, que chegará ao leitor uma história que não esquecerá, fruto da crença dos relatos escritos como forma de perpetuar a vida e as memórias que realmente devem prevalecer:
 
"(...) escreveu ela que a memória é frágil e o percurso de uma vida é muito breve e acontece tudo tão depressa que não vislumbramos a relação entre os acontecimentos, não conseguimos medir a consequência dos atos, acreditamos na ficção do tempo, no presente, no passado e no futuro, mas também é possível que tudo ocorra simultaneamente (...). p.406
 
 
Recomendo vivamente!
Ao som de: Gemma Hayes "Back Of My Hand"

8 comentários:

Carlos Faria disse...

Já vi a adaptação cinematográfica da obra que até foi em parte filmada em Portugal, mas já lá vão muitos anos e pouco me lembro da obra a não ser das cenas da revolução chilena.
Quanto ao livro encomendei-o na minha habitual livraria da internet já este ano.

Denise disse...

Olá Carlos!

Ainda não vi o filme, pretendo fazê-lo.
Gostei imenso do livro e agora quero ler muito mais da autora.
Vou aguardar a sua análise.

Boas leituras!

redonda disse...

Já o li há muitos anos. Gostei muito deste livro (depois vi o filme mas talvez por ter lido o livro primeiro e ter imaginado diferentes os personagens, não gostei assim muito)

Denise disse...

Olá Gabi :)

Nunca tinha lido nada da autora. Não podia ter começado melhor.
O filme ainda não vi...
Beijinhos e boas leituras!

Su disse...

Olá,
Este livro é lindo :D li-o há uns anitos, mas lembro-me de ficar surpreendida até com o estilo de escrita de Isabel Allende. Também gostei muito do "A Filha da Fortuna", recomendo-to.

Boas leituras!

Denise disse...

Olá Su!

Lindo mesmo, concordo. Gostei imenso e quero repetir a "dosagem" de Allende para breve. Vou acatar a tua recomendação com toda a certeza. Obrigada! :)

Beijinhos. Boas leituras!

Patrícia disse...

A Allende é maravilhosa.
Acho que vou reler este e o Retrato a Sépia antes de ler o A filha da fortuna que consegui comprar no outro dia baratíssimo. Era um dos poucos dela que não tinha. Adoro.
Boas leituras

Denise disse...

Olá Patrícia!

Constatei isso mesmo, fiquei muito impressionada com a escrita e todo o enredo deste livro. Peculiar e muito bonito.
Mais leituras desta autora este ano, com certeza! :)

Boas leituras!

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