As Pretensões
Nota: Em nada pretendo que esta opinião se centre no feminismo. É uma opinião, se quiserem, sobre o amor. Nada mais.
«Eu quero ser viúva».
Esta
foi a minha resposta, aos 5 anos de idade, quando numa reunião de família me
fizeram a clássica pergunta: “O que
queres ser quando fores grande?”
«Eu
quero ser viúva.» Os porquês guardei-os para mim, até porque os risos ruíram na
sala e espalharam-se pela casa toda.
A
resposta estava na tia Júlia. Mulher retornada de Angola, viúva.
Eu
via aquela mulher e mesmo miúda reconhecia-lhe a classe nos movimentos e na
pose. Toda ela era diferente, não só pelas histórias que contava, pela roupa
preta que me encantava e intrigava, mas por um conjunto que somado, eu não
explicava. Apenas me encantava.
Então,
queria ser como ela. Recordo-me que o nome da tia Júlia parecia uma camisola,
ainda com etiqueta, porque ninguém o usava. Era a viúva. Nada mais.
O
meu encantamento com aquela mulher era a liberdade que emanava dela. Não havia
um homem com a pretensão de lhe dizer o que fazer, o que dizer ou o que sentir.
Esta história é um prelúdio
para, inesperadamente, vos falar disso mesmo: da pretensão dos homens perante o
coração de uma mulher.
A
boca de uma mulher, tão bem dizia Florbela Espanca, é sempre mais linda se nela
guarda um verso que não diz. E uma Mulher
sabe o que diz, mesmo quando não o diz.
Se
naquele tempo a uma viúva qualquer ilação era descabida, como um vestido de
noiva arrumado que não se volta a usar, hoje, vivemos uma era distinta que
arruma, separa e dobra mulheres como conjuntos de roupa em pequenas gavetas
selecionadas.
O Homem assume, sempre, saber o
que vai no coração de uma Mulher. A
previsibilidade que emana de uma Mulher é transparente como o cetim que usa
para o seduzir. Se nos anos 80, a minha tia era um homem vestido de preto, que
arrumaram numa gaveta, hoje, as mulheres são mais facilmente seduzidas (nada
contra, por vezes, chega a encantar-me essa libertinagem), estabelecendo as chamadas “relações
de uma noite, ou duas ou três”. E essa é uma das muitas gavetas. Mas não é essa a gaveta na qual eu vos quero
pôr a refletir, nem tão pouco opinar sobre aquela.
O
meu dedo aponta, precisamente, para aquilo a que costumo apelidar de viúvas de nova geração.
A
viúva de nova geração é a mulher que se faz prevalecer com algo tão simples
como descortinando as coisas, na hora certa. Essa Mulher não tem medo do peso
das palavras, das suas vontades e intenções. É uma Mulher que, tão simplesmente,
sabe o que quer e bate à porta.
Mas
isso já não se faz. Hoje vivemos num mundo de jogo dissimulado. Aquele que
conseguir a proeza de dissimular mais ganha. Manipular mais. Enrolar mais.
Perder-se no tempo que passa. O amor, nos tempos de hoje, não é feito de cólera. É feito de quem melhor souber jogar, mascarar e calar.
Já
a Mulher com boca, afugenta. Porque diz e estabelece. Então, o Homem presume e
efabula o que vai no coração dela porque, se ela fala, se não respeita o seu
precioso tempo de introspeção, representa um perigo. Um perigo face à liberdade
que tanto proclamam. Torna-se assim uma viúva. Forçosamente inacessível, pelo bem maior da suposta liberdade. Mas qual liberdade, afinal?
O
Homem poderá viver, para sempre, com a pretensão de saber o que vai no coração
de uma Mulher. Não passará disso mesmo, uma cómica pretensão.
Creio
que a cada minuto que uma Mulher decida ser ela mesma, muitas outras se anulem em prol da virilidade emocional de um homem pretensioso. Está assim
criado o cenário de destruição daquilo a que chamamos a possibilidade de um “final feliz”.
Ao som de: Cinematic Orchestra | Arrival of the Birds & Transformation
4 comentários:
Não há nenhum problema em centrar questões no feminismo...As pessoas é que acham que há porque têm a cabeça cheia de disparates sobre o assunto. Aquilo que muitos homens querem é um manequim e não uma mulher - alguém para exibir, que faça as coisas em casa, seja meiga e não fale muito. Felizmente que cada vez mais mulheres se têm revoltado contra isto e feito o seu próprio caminho - como se diz: mais vale só que mal acompanhado.
Olá Sara, obrigada pela visita :)
Não tem, claro que não.
Pessoalmente, prefiro ver as coisas de uma forma mais ampla, em que ambos os géneros possam beneficiar de novas reflexões, de novas liberdades através daquelas: pensando mais e melhor. Porque muitas vezes, também eles, não sabem o que andam a fazer. Este meu texto destina-se a todos os que amam mal, e aí sim, a essa pretensão generalizada por parte dos homens em assumirem tudo aquilo que uma mulher sente, estacando futuros possíveis com base nessas mesmas pretensões tão ... pequeninas.
Sabes o que digo? Um grande «sim» aos afetos de cara lavada. À inteligência emocional, em dramática via de extinção.
Quanto a esse ditado, concordo em parte. Porque não há nada melhor que teres alguém ao teu lado, mesmo com os defeitos que traz. O segredo está, precisamente, na ausência de pretensão em mudar seja lá o que for. Não se trata de mudar ninguém, nestas coisas do amor, trata-se somente de nos ajustarmos.
O problema é esse. A falta de flexibilidade dos corações atuais ;)
E falei que me fartei!
Beijinhos Sara
O feminismo também envolve os homens - aliás nem podia ser de outra maneira. A ideia de que o feminismo só diz respeito a mulheres e esgota-se aí não é verdadeira. A igualdade envolve todos. Quando estás numa relação que não vai a lado nenhum, em que não há respeito ou em que a personalidade de um é anulado em favor do outro...É melhor estar só. Infelizmente a sociedade ainda diz às mulheres (especialmente) que elas só serão seres completos quando tiverem alguém ao lado. E o tempo passa e muitas acabam por ficar desesperadas e logo mais vulneráveis a relações abusivas. Teres alguém não é melhor ou pior do que não ter - são opções apenas.
Olá Sara,
Talvez o assunto que trazes foge um pouco ao texto que aqui exponho.
Concordo com a tua opinião, atendendo que acredito que compreendas que nada do que disse acima vai contra com o que acabaste de mencionar ;) Penso que estamos em sintonia, mas por palavras distintas apenas.
Há, no entanto, relações abusivas em ambas as direções. Não me leves a mal, Sara, mas tenho imensa dificuldade em analisar as questões de forma tão pragmática como tu, mas parabéns por isso! ;)
E sim, obviamente, são opções de vida. Não poderia dizer melhor.
Beijinho
Enviar um comentário