O mais recente livro de Afonso Cruz sustenta um princípio (um início, uma espécie de teoria) ao qual dificilmente alguém que lhe consegue escapar. Falemos em medição da felicidade. Haverá uma medida do que é ser feliz, uma definição concreta, uma comparação com o lado negativo, apaziguando e respondendo, em concreto, o que é isso de ser feliz? Muito ou pouco feliz?
Em «Princípio de Karenina», o autor conta-nos a história através de uma carta de um pai que se dirige à filha que sempre quis conhecer. É uma história que nasce lá longe, quase nos confins da terra, sobre um homem, nascido com o pé torto, deformado por dentro pela deficiência de fora e tolhido pela resistência de um pai, que não o deixa viver para lá das cortinas da sua própria casa. Uma mãe que lhe acaricia a o corpo disforme, como quem lambe feridas e lhe incita uma perfeição que não tem. Nem sente.
Será na soma dos dias, protegido entre quatro paredes, que este menino cresce e se torna homem. Poucas amizades fará, limitadas pelo seu próprio coração, que pouco reage. Tudo parece estar condicionado pelo tempo e pela geografia. A distância promete, gradativamente, um decréscimo na importância das pessoas que possa vir a conhecer. Quanto mais perto de nós, mais importantes. Quanto mais longe, menos dignos seremos nós (e os outros) em alimentar qualquer tipo de relação. Foi essa a teoria do seu pai, a qual acolheu sem pensar muito. É que como todas as crianças, absorveu a voz do adulto como verdade inabalável.
Um dia, o seu pai morre. Desprevenido. A casa preenche-se desse cheiro a fim, à beira da mesa de um escritório que sempre lhe guardou uma vida, aparentemente, ocupada. Morre, inunda-se a casa com um cheiro que, mais tarde, traria a mudança.
O amor parece-lhe vedado, incompreendido. A Fernanda da Farmácia foi uma conquista que lhe soube a derrota, entre amuos e conquistas por teimosia. Habituou-se à presença dela, serena, amiga da mãe, uma sombra presente para lhe vincar o compromisso do casamento, a obrigatoriedade de uma cultura.
O amor parece-lhe vedado, incompreendido. A Fernanda da Farmácia foi uma conquista que lhe soube a derrota, entre amuos e conquistas por teimosia. Habituou-se à presença dela, serena, amiga da mãe, uma sombra presente para lhe vincar o compromisso do casamento, a obrigatoriedade de uma cultura.
Este homem não falava amor. Ele não sabia que o amor e a obrigatoriedade são antónimos cerrados. Palavras que não se casam, independentemente das forças impostas por um meio, uma sociedade, ou um conjunto de pessoas. O amor carrega essa "teimosia de um sonho", imprimido pelo toque de duas mãos, ténue, mas capaz de rebentar com uma casa inteira.
Essa turbulência, vinda de longe, tinha nome de mulher. A nova empregada da casa trouxe-lhe o sol que lhe inundou tudo, que lhe abriu janelas, que deixou entrar ventos e tempestades que só agitam por dentro. Então sim, ele conheceu o amor e todos os desafios que este sempre impõe.
Afonso Cruz escreve-nos uma linda história de amor que nasce depressa, mas impedida pelo destino, pelas imposições de uma vida já construída. Uma filha que nasce, lá longe, num caminho paralelo que não afunila, não se funde com a sua própria vida, por mais que tente.
"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Tolstoi in Anna Karenina
Chegará o momento em que o autor obriga o leitor a refletir, a ponderar e a questionar sobre essa tal questão de medição de felicidade. Afinal, o que determina a parecença das famílias felizes e a individualidade na infelicidade?
Afonso Cruz vem provocar e agitar uma consciência que se quer bem acordada quanto às particularidades da (in)felicidade. Repare, caro leitor, a felicidade pode corresponder a uma hora e vinte minutos de uma conversa, a um toque de mãos que determina todo um caminho, a pequenas coisas que, lá mais à frente, agitam, alteram e prometem um pouco de paz. Uma espécie de teoria do caos que sabe, meticulosamente, arrumar as gavetas e os fios soltos do passado, que ficou lá atrás.
Foi assim com este homem.
É assim com todos nós.
Uma cortesia:
Amor, amor. Nada mais importa.
Seja feliz,
1 comentário:
parece-me uma historia muito interessante!
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