Instinto (Ahsley Audrain)

quarta-feira, 16 de junho de 2021

 

Esta é uma história que não o vai deixar indiferente. Tudo começa quando um homem e uma mulher se apaixonam. A partir daí, sucede a dita ordem "natural" das coisas: apaixonam-se, namoram, sentem cada vez mais a necessidade de partilharem as suas vidas, casam-se e, mais tarde, vivem a realidade de uma gravidez muito desejada.

Até aqui, caro leitor, parece-nos uma história bonita, previsível, mas não tanto assim. Na verdade, de previsível, pouco tem. A partir do momento em que a sua filha nasce, esta mulher sente a vertigem constante em que a sua vida se transformou. Não há sossego. Seja porque a filha grita sempre quando está perto da mãe. Seja porque a mãe não se sente intimamente ligada à sua bebé. Seja pelos os sentimentos de comparação com o marido e o amor que a filha nutre por este, há uma série de acontecimentos que só afundam ainda mais o abismo em que esta mulher parece estar destinada a cair.

O facto de não se sentir verdadeira e emocionalmente ligada à sua filha, esta mãe vive um tormento quase palpável ao longo das páginas que dão forma a esta história. Questões relacionadas com o seu desempenho enquanto mãe, as suas qualidades e capacidades vão sendo, gradualmente, postas em causa. Uma a uma, igualmente potenciadas pela menina, agora, mais crescida e com uma intenção clara de afastamento da mãe.

A primeira questão que surge e que faz deste livro um dos suspenses psicológicos mais aflitivos que já li, é: estará esta mãe a contar-nos a verdade? Estará esta mãe realmente convicta de que a filha não a ama? Estamos, de facto, perante uma criança naturalmente má?

No momento em que a mãe é agraciada por uma segunda gravidez, tudo parece mudar. O amor materno é uma certeza assim como a vontade, quase inconsciente, do típico "agora farei tudo muito melhor". Concentrada nesta realidade, parece-nos, por vezes, que o afastamento da mãe e da filha é ainda mais evidente, além de que a estrutura do casamento e a relação do casal, está igualmente nas ruas da amargura. Mas esta mãe não quer saber assim tanto disso, é o que nos parece. O mais importante é o amo que nutre pelo seu filho e que sabe ser amplamente recíproco.

Até ao dia em que uma tragédia acontece. O estalar do verniz de uma família aparentemente já ditada a um caos inimaginável. Não poderei contar-lhe mais até porque é este o momento de viragem e que nos deixa com ainda mais questões para refletir e, de certo modo, nos assustar com as infinitas possibilidades que um sistema familiar pode abarcar. Acredite, pode realmente ser assustador pensar nas temáticas que a autora nos propõe.

A verdade é que, mais do que um suspense psicológico, "Instinto" é um livro que nos narra a experiência da maternidade não romantizada.
De forma muito crua, muito real, conhecemos uma mãe feita de dúvidas, desamparada nas inúmeras questões e projeções de uma sociedade que parece saber tudo na ponta da língua mas que não passa disso mesmo: um saber muito estereotipado e redutor.


Este livro surpreendeu-me pelas verdades difíceis, que ninguém, muito menos uma mãe quereria enfrentar: terei dado à luz um bom ser humano? Terei criado um monstro? Qual o meu papel no seu presente e no seu futuro? Serei eu, afinal, boa mãe?


Uma história muito bem construída e que se alimenta, para lá do suspense, de verdades dificilmente expostas sobre o amor maternal e o poder sombrio que se esconde (e vive) em todos os sistemas familiares.

 

Seja feliz,

 

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