Abandonar o barco, desejo de
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Corre, Coelho
John Updike
Quando sente vontade de abandonar o barco - da sua relação, do seu trabalho, da sua vida - imploramos-lhe que não faça nada antes de ter lido Corre, Coelho. A necessidade de saltar fora geralmente ataca quando o barco em que estamos parece ir a afundar-se - e é mais provável que se sinta assim se começou já em mar alto. É certamente o caso de Harry «Coelho» Angstrom (a alcunha é o resultado de um tique nervoso por baixo do seu «pequeno nariz»). Coelho foi em tempos uma estrela adolescente de basquetebol, um herói local ou até mesmo nacional que agora, aos vinte e sete anos, passa os dias a demonstrar o descascador de cozinha MagiPeel, é casado, com um filho e outro a caminho, com o melhor da sua vida já para trás de si. Ou pelo menos é assim que sente. Um dia em que regressa a casa do trabalho, Coelho junta-se a um grupo de miúdos que estão a dar uns toques na bola num terreno vazio. Esfusiante por descobrir que ainda tem o «jeito», decide, num momento de positivismo, deixar de fumar e deitar fora os cigarros. Mas quando chega a casa, a visão de Janice, a sua mulher grávida, deitada com ar ausente em frente da televisão, a beber, deixa-o subitamente furioso. Tal como ele diz mais tarde ao sacerdote local, Jack Eccles, não consegue suportar o facto de antes ter pertencido à primeira categoria e agora - bem, «aquela coisa que Janice e eu vivíamos, pá, era mesmo de segunda categoria». E então ele abandona o barco - ou, como diria Updike, corre.
Quase imediatamente, Coelho encontra alguém que sabe que fugir a correr não funciona - pelo menos sem um plano definido. «A única forma de chegar a algum lado, sabes, é imaginar para onde vais antes de ires», refere a empregada de um posto de combustíveis quando Coelho admite que não sabe para onde está a ir. E mais tarde - demasiado tarde, porque desta vez a tragédia aconteceu - o antigo treinador de basquetebol de Coelho, Tothero (a lutar por encarreirar as palavras a seguir a um AVC), atira uma última lição: «O certo e o errado não caem do céu... somos nós que o fazemos», diz ele. Depois: «Invariavelmente...a infelicidade segue-se à desobediência. Não a nossa.» Coelho não tinha parado assim muito para pensar sobre as consequências que a sua fuga poderia ter para outras pessoas.
E continua a não saber agora. A sabedoria de Tothero penetra em nós, mas não penetra em Coelho. Ele continua a odiar Janice e a correr. Claro que sentimos simpatia por Coelho, mas em breve, vemos que o seu problema não é estar prisioneiro de Janice, mas sim não saber como ajudá-la - e, por isso, a si mesmo. Junte-se a Tothero e diga-o a Coelho, depois a si próprio: é melhor ficar a bordo do navio, fazer o que for possível para tapar os seus buracos e depois redirigir o seu curso. Porque se saltar, salta para o mar. E se for você a ir ao leme, não será o único a afogar-se.
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Foi um privilégio e tanto ter tido a oportunidade de ler esta tetralogia do Coelho. O primeiro livro é apenas um descortinar de uma longa história, repleta de peripécias de quem teima em não se encontrar. Recomendo amplamente.
Poderão conhecer a minha opinião, aqui.
Boas leituras.
2 comentários:
Estive com um dos livros dessa série na mão o ano passado numa feira do livro, mas como não era o primeiro desisti, nunca li Updike mas a começar seria pelo início da vida desse Coelho.
Olá Carlos :)
Recomendo. Recomendo. Recomendo.
Aposto que vai gostar muito da vida do Coelho.
Tenho mais uns livros do Updike na estante, espero que para breve. Um autor que conquista deste logo.
Beijinhos e boas leituras!
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