"Nada nas nossas vidas causa tanta ansiedade como ser feliz na vida amorosa."
Assim começa «Ensaios de Amor», de Alain de Botton: um livro que nos convida a conhecer toda a jornada de uma relação amorosa, desde o início ao (quase esperado) fim.
O autor, de uma forma muito clara e convicta, reclama-nos uma reflexão cuidada sobre as particularidades das relações amorosas. Questões relacionadas com o merecimento de sermos amados, as dúvidas quanto ao facto de alguém ser capaz de tamanha proeza, o medo da rejeição, a tendência à acomodação, entre outros aspetos, todos eles, de uma enorme relevância.
Tudo começa numa viagem de avião, quando o nosso protagonista conhece Chloe. Imediatamente se sente invadido, impressionado pela sua beleza e postura. Irremediavelmente apaixonado.
Este homem começa a sentir, desde logo, o pavor da eventualidade de ser rejeitado. Porém, após uma simpática e cordial conversa, percebe que também Chloe lhe corresponde. Há a esperança de um afeto correspondido, que muita alegria lhe traz, porém, o tempo e a confirmação de um amor correspondido pode, igualmente, surtir um efeito de certo enfado:"Apaixonamo-nos porque desejamos fugir de nós próprios com uma criatura tão ideal quanto somos corruptos."
"(...) [Montaigne] No amor não existe senão o desejo cego do que nos foge - ideia partilhada pela máxima de Anatole France: «Não é costume amar o que se tem.»
De um modo visivelmente irónico, Alain de Botton faz-nos sentir, sem dó nem piedade, ridículos nessa arte de amar. Ridículos por, aparentemente, desejarmos apenas o que não temos, renegar o que temos de bom porque, se é nosso, muito provavelmente não é bom o suficiente.
As inseguranças de amor, aqui tão bem retratadas, espelham a fragilidade a que muitos casais estão sujeitos, seja por medo, seja por receio, seja por falta de iniciativa. Há, no entanto, uma esperança sempre a pairar: o sentido de humor.
"(...) um ingrediente que (se existisse em abundância) provavelmente salvaria da intolerância tanto os Estados como os casais: o sentido de humor."
É através dos risos partilhados, das piadas privadas, dos comentários às particularidades mais infelizes dos amigos, a capacidade de rir perante os próprios defeitos, em confronto direto com a pessoa que nos aponta, que permite uma lufada de ar fresco entre ambos. Imagine uma espécie de sala de reuniões onde, através do rir de si mesmo, se chegam a decisões (quase) unanimes.
Eis o amor como uma procura constante de felicidade, de paz, de validação. É o perceber as coordenadas de um GPS pouco claro, apenas com a promessa de um destino derradeiro, feliz. Mas será mesmo assim? É a que felicidade, tal como o autor refere, por ser rara, amedronta e paralisa:
"Um dos maiores inconvenientes do amor é que nos faz, pelo menos durante algum tempo, correr o risco de sermos realmente felizes."
É um risco muito elevado, esse, de sermos felizes. Imagine, ser feliz, e depois? E se a felicidade acaba de um dia para o outro? Como sobreviver a essa possibilidade?
Vive-se, pois então, um amor repleto de ansiedade. Uma curva de Gauss que não para de oscilar entre a confirmação de um afeto partilhado, o enfado dessa mesma confirmação para, mais tarde, surgir o pânico de já não sermos apreciados aos olhos do outro.
"Alguma vez se pode aplicar a linguagem dos direitos ao amor, obrigar uma pessoa a amar por dever?"
Eis a questão que mortifica. O outro, um dia, sem sabermos porquê, deixa de ver o que inicialmente o prendeu a nós. Há todo um luto urgente, uma série de acrobacias emocionais, a fatalidade do fim, a vida como nunca mais será.
Resta-nos a questão de como poderemos, então, sobreviver ao amor? O autor arrasta a cortina, subtilmente, para nos fazer crer que a solução reside num novo amor. Simples assim, aparentemente.
Alain de Botton, em «Ensaios de Amor», é sublime na forma como nos vende o nascimento e morte de uma relação amorosa. Imprime-nos a ilusão, a expectativa, a alegria, o encantamento, a desilusão e o derradeiro confronto de duas pessoas que se amaram mas que, fruto de um conjunto de inibições pessoais e sociais, não souberam dar-lhe a continuidade dos dias. São coisas.
Um livro que promete fazê-lo refletir na globalidade das relações amorosas, as suas particularidades e dificuldades. Em traços gerais, uma reflexão sobre esse que é, indubitavelmente, o maior desejo de todos nós: sermos verdadeiramente, e incondicionalmente, amados.
Para ler. Para reler. Para pensar.
Recomendo sem reservas.
Seja feliz,
1 comentário:
Bem, está muito bem escrito! Gostei particularmente do encadeamento desta apreciação. Achei curioso usares a curva de Gauss... �� Lembra me que há sempre 5% das vezes que as tantas pensamos amar, e afinal, não amamos. Tal como uma distribuição normal advoga �� parece me, portanto, bem recomendado �� vou adquirir. Bem haja, amiga, pela sugestão!
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