Leitura Kindle | Projeto Adamastor
Raul Germano Brandão nasceu no Porto em 1867. Foi militar (sem nunca ter gostado de o ser), jornalista e escritor. O autor é sobretudo conhecido pelo realismo que imprime nas suas descrições, uma linguagem direta e sem subterfúgios.
"Homens de gosto colecionam quadros ou estátuas. O meu amigo coleciona dor."
«Os Pobres», de Raul Brandão, é um daqueles livros equivalentes a um soco no estômago. Certeiro. Sem prever. Direto ao ponto.
Uma das obras mais relevantes deste escritor português, «Os Pobres», obriga-nos a entrar num mundo contornado pela miséria, pela falta, pela fome. Fala-nos da miséria na sua globalidade, material, física, psicológica e, sobretudo, espiritual.
É a história de Gebo, mas também de muitas outras pessoas espalhadas por ruas de verdadeira amargura. Gebo não tem trabalho. Tem mulher. Tem Sofia, a sua filha reservada, triste e calada.
A fome e a miséria abraçam-no diariamente, na expectativa de um dia diferente, de conseguir mendigar algum pão para as bocas cansadas que o esperam em casa.
Também Raul Brandão faz alusão à poesia, neste que é, sem margem de dúvidas, um hino cortante e profundo da pobreza. A poesia como uma janela, a permitir ver em profundida. Gabiru, o poeta, o filósofo, deambula também ele na procura de respostas à essência de ser homem, de ser gente, de se agarrar à dádiva da natureza, as árvores, o bom que Deus nos deu, e que prontamente renegamos.
Sobre esta personagem foi dito:
"O poeta dos Pobres não é um romancista. A alma do evocador fluidicamente se desagrega nas almas de sonho que ele evoca. Dir-se-iam espelhos, brancos, verdes ou azuis, planos, côncavos ou convexos, reflectindo todos eles um único semblante, que julgamos distinto, porque aparece deformado."
E numa frase, se descortina a centralidade de toda esta história:
"Viver é sofrer, e tudo vive, tudo sofre."
Raul Brandão, polémico, inquieto e insubmisso, o autor menos lembrado do que deveria, oferece-nos um panorama difícil, mas real, de um conjunto de gentes a representar tantos outros, por essa vida fora. A pobreza, seja ela de pão ou da alma, é narrada de um modo sublime, capaz de nos remexer as entranhas, obrigar-nos a repensar a vida que assumimos como garantida, um epicentro miserável em que todos nós podemos cair um dia. Seja essa fome do pão que falo, seja agora, e mais premente, as dores e pobrezas das almas desajustadas.
"O universo é o sonho dolorido de Deus."
Recomendo. Garantidamente.
4 comentários:
Olá, Denise :)
Para grande vergonha minha nunca li Raul Brandão.
Tenho "Húmus" há anos, e apoiei na E-Primatur "A Vida e o Sonho" -
Inéditos, antologia e guia de leitura – Edição do 150.º Aniversário.
Beijinhos.
Gostei muito, Beatriz!
Vais sempre a tempo :)
Beijinhos
Raramente leio ficção em e-livro, mas adorei Húmus, já um pouco menos o seu livro da viagens pelos Açores.
Curiosamente hoje comecei a ler um livro recomendado por este blogue: Dois Irmãos, depois direi o que achei.
Olá Carlos,
Obrigada pela consideração :) espero que goste de «Dois Irmãos». Pessoalmente, gostei mais desse do que «Relato de um certo oriente».
Raul Brandão, gostei muito.
Aguardo a sua opinião!
Boas leituras
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