Thaïs (Anatole France)

quinta-feira, 25 de outubro de 2018


"Anatole France, pseudónimo de Anatole-François Thibault ou também Jacques-Anatole-François Thibault, com acréscimo do nome do seu padrinho, Jacques Charavay, nasceu em Paris, no dia 16 de abril de 1844. Ao longo da vida desenvolveu uma apreciável atividade literária, cuja qualidade veio a ser consagrada com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura em 1921, mas foi igualmente um militante ativo nos domínios social e político, numa época conturbada da história europeia.
No período em que decorreu a formação escolar de Anatole France, era habitual a leitura de textos hagiográficos, podendo mesmo estes constituir matéria curricular, nomeadamente em estabelecimentos de ensino católico, como aquele que frequentou para obter a instrução secundária, o Collège Stanislas, em Paris (...)." *
As influências recebidas ao longo da sua educação, em muito contribuíram para a construção daquele que é considerado o seu livro mais notável, Thaïs, e de que hoje falamos.
A história decorre no Egito, no deserto,  numa vida pautada pelo desenvolvimento espiritual e, de outro lado, na cidade de Alexandria, por outro tipo de vida em que os desejos carnais tendem a crescer e a serem encarados como impuros e pecaminosos.
Anatole France destaca nesta obra o conflito existente entre os desejos carnais, intimamente ligado ao inferno e às tentações e, do outro lado, o amor divino.
Esta é assim a história de um monge que vê na mulher a fonte do pecado e da desgraça. Quando encontra Thaïs, jovem atriz que sem pejo se entrega a qualquer homem, decide então dedicar os esforços de toda a sua vida, na conversão daquela mulher  à fé cristã.
Há crueldade na escrita de Anatole France. A crueldade e a crueza com que declara os sentimentos convictos do monge tendem a mirrar o coração como uma ameixa seca. Seco nas dúvidas que, para todo o sempre, vão imperar quando o tema grita religião.A devoção, a entrega espiritual deste homem transcende tudo e qualquer coisa, levando-o onde? Que nome terá esse lugar onde a devoção, a entrega cega e amor incondicional a Deus impera?
"Amo-te Thaïs! Amo-te mais do que a minha vida e a mim mesmo. Por ti, deixei o saudoso deserto, por ti, os meus lábios, votados ao silêncio, pronunciarão palavras profanas; por ti, vi aquilo que não deveria ver, ouvi o que me fora proibido escutar; por ti, a minha alma conheceu a aflição, o meu coração abriu-se e dele jorraram secretos pensamentos, semelhantes às nascentes onde vêm beber as pombas; por ti, caminhei dia e noite sobre areias povoadas de larvas e vampiros; por ti pousei o meu pé nu em cima de víboras e escorpiões! Sim! Amo-te, mas não como esses homens que, inflamados pelo desejo da carne, vêm até ti parecendo lobos vorazes ou touros furiosos. Desejam-te do mesmo modo que a gazela é desejada pelo leão. Os seus amores carnívoros devoram-te até à alma, mulher! Eu, pelo contrário, amo-te em espírito e verdade, amo-te em Deus e pelos séculos dos séculos; o que por ti sinto no meu peito chama-se ardor verdadeiro e divina caridade. Prometo-te algo de melhor do que a embriaguez florida e os sonhos de uma noite breve. Prometo-te santas refeições e bodas celestes. A felicidade que te venho trazer não terminará nunca, é inaudita e de tal modo inefável que, se os homens felizes deste mundo dela pudessem conhecer apenas um vislumbre, imediatamente morreriam de espanto." | p.94
A questão que se impõe é: até quando o fanatismo deste homem, numa entrega devota a Deus sob todas as coisas, perdurará? Até quando, após terminada a sua grande missão, perdurará a sensação de uma entrega plena?
A figura da mulher como imagem do pecado mais profundo, mistura-se nessa dualidade tão religiosa - o certo e o errado, a luz e a sombra - resultando num livro intemporal, na sombra desse peso feito das "(...) intransigências de dogmas milenários da Igreja." *
"Ele morreu, mas viveu (...), e tu morrerás sem teres vivido." p.199
Gostei muito. «Thaïs» é um sério candidato ao melhor livro que li este ano. Não deixe de o ler. Não se desanime pelo aparente tema rotineiro. É antes urgente continuar a pensar a religião como um todo, potenciador de comportamentos tão díspares entre todos nós sem, na verdade, entendermos as razões mais profundas de cada um deles.
*Fonte de pesquisa: Projeto de Investigação de Palmira Morais Rocha de Almeida | "Ópera Thaïs" - Exibições no Teatro de São Carlos no primeiro quartel do século XX e a receção crítico-valorativa na imprensa portuguesa. (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).
Boas leituras,


2 comentários:

Carlos Faria disse...

NUnca li Anatole France, mas tenho tido curiosidade, talvez seja uma dica por onde começar. Até porque o tema me interessa

Denise disse...

Pessoalmente, não poderia ter começado melhor. Gostei tanto!
Boas leituras, espero que goste :)

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