Aparentemente, Jesus Cristo bebe cerveja. E isso não o deveria chocar, a si ou a mim. A ninguém. Jesus Cristo bebe cerveja como todos nós, e nada nisso apavora. Parece acalmar os nervos dos que padecem das ansiedades de serem os melhores. De se revirarem do avesso na procura desenfreada de perfeição.
O livro de Afonso Cruz é feito de gentes comuns (não as são todas?), desesperadas por um lugar mais seguro, por um arnês capaz de lhe garantir a força do impacto ao cair, ao cair na iminência de um sonho ausente. Uma Jerusalém construída à imagem de quem não pode sair do lugar.
Esta é a história de Rosa, menina que se tornará mulher de curvas bonitas, rosto que prende, sobrancelhas grossas que lhe sublinham a negrito um olhar de segredos e sonhos.
Num Alentejo quente e perdido, Rosa vê o seu avô atirar-se a um poço, levado pelo peso de culpas deslocadas, e injustas, da morte de alguém. Pagou na mesma moeda, matou-se para não viver com uma morte viva ao pé.
A mãe, mãos frias de porcelana, refugia-se na sombra de uma juventude e sangue quente, de quem ama com o corpo como prioridade. Amou o cheiro a homem do seu pai, corpo seco e desequilibrado. Dizem que lhe foram os jeitos rudes e os aromas do campo a conquistarem-lhe o gelo que lhe pulsou, sempre, no peito.
Abandonada, Rosa ficaria entregue à sua avó. Dali nasce um amor responsável, de quem cuida o que só há a cuidar, de quem procura um alento na miséria, na fome, num pouco de desilusão a cada noite.
Quem lê «Jesus Cristo bebia cerveja» visita um lugar, também ele, comum. Um lugar perdido, feito de gente que se procura, se revê nas dores alheias, nos sonhos que vão nascendo na mesma medida que vão morrendo. Há uma linha que divide esses polos. Chamam-lhe arrependimento. O arrependimento de quem não soube morrer na paz simples de um amor certo, à medida. Perfeito na imperfeição. Mas a essas gentes comuns, essa raça humana tão comum e banal, nada lhes parece chegar. Ficaremos, pois então, entregues à nostalgia. Ao que já foi. Ao que não volta. Aos desafortunados que morrem antes da vida acabar.
Seja feliz,
6 comentários:
Só para si, porque já percebi que não publica comentários desfavoráveis, numa autocracia a que falta sentido crítico e respeito pela diferença:
o título do livro é, francamente, de mau gosto (bastaria lembrar as Bodas de Canã), quanto à capa é, simplesmente, horrorosa. Um mínimo de sentido estético, evitaria este dislate desta editora de vão de escada...
E, já agora, que acabei, pode retornar à sua inefável torre de marfim.
Só para si, APS, e diretamente da minha torre de marfim, digo-lhe que de todos os livros que já li de Afonso Cruz, o presente, foi um dos que mais gostei. Gosto da capa, atualmente diferente, numa edição da Companhia das Letras. Também gosto do título. E correndo o risco de lhe causar mais um ataque de arrogância, admiro e gosto muito da Alfaguara.
Seja feliz na sua igualmente inefável torre, repleta de respeito pela diferença e pelo trabalho dos outros.
Cumprimentos respeitosos,
DR
Fantástico livro! Desafiador título!
Não aprecio a capa, mas não diz o povo que "não se deve julgar o livro pela capa"?
Olá, Maria Eu
Também gostei muito.
Os livros não devem ser julgados pela capa assim como tudo na vida.
Beijinhos e volta sempre!
Sou dos que não gosta da capa, comprei o livro apenas quando saiu outra edição e capa diferente, a editora e o escritor é livre de publicar como quer e o que quer, mas posso não gostar e até reservar-me a compra por não gostar de uma capa. Foi o caso
O título pouco tem a ver com a estória, cuja tema está bem sintetizado no post e foi um romance que gostei de ler, embora continuo a preferir A Boneca de Kokoshka (penso que é assim que se escreve).
O Carlos já me falou desse livro, sim.
Ainda não li mas tenho muita curiosidade :)
Boas leituras!
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