O Curso do Amor (Alain de Botton)

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

 
Ler Alain de Botton é saber, de antemão, que nos esperam lições certeiras, previsíveis, mas que ainda assim nos custam sempre a enfrentar. Como a velha máxima de confronto direto com os nossos demónios: nunca é fácil, mas é sempre necessário.
 
Em «O Curso do Amor», o autor convida-nos a espreitar o nascimento, crescimento e maturidade de um jovem casal. Desde o primeiro olhar, o primeiro momento, a primeira conversa, até ao momento em que decidem ser a hora certa de partilhar uma casa, casando e vivendo em (esperada) união.
 
Eis que surge, muito rapidamente, a velha máxima de que os anos de um casamento tendem a deixá-lo mais pesado de carregar. O tempo, esse vilão. Após essa constatação, eis que o surgimento dos filhos, o momento mais alto de partilha e intimidade entre duas pessoas, tende igualmente a desgastar as já frágeis raízes de um casamento que, até então, parecia perfeito.
 
Ao longo deste livro o leitor será confrontado com todas as dificuldades, inerentes, numa relação amorosa. Desde a distância cravada pelo avançar dos anos, as dificuldades profissionais que sempre se refletem na forma de amar, o nascimento dos filhos e os desafios adjacentes até ao, supostamente, esperado adultério. O adultério parece sempre surgir como uma lufada de desculpas de quem não quis imiscuir-se mais nas dificuldades e nas distâncias de um casamento que já só se vê ao longe. Uma espécie de pontinho negro em que as pessoas se transformam no momento em que caminham em frente e nós, ali especados, a vemos desaparecer. A tornar-se nesse pontinho pequenino, sempre negro, cada vez mais e mais minúsculo.
 
"Mas o que realmente acentua a intensidade é um novo pensamento que surge sempre que uma tensão aflora: como se pode suportar isto ao longo de uma vida inteira?"
Para aquele homem parecia não ser possível. Parecia cada vez mais distante da sua intenção: estar casado, ser pai, e ser feliz. Até então, o adultério seria esse renascer de intimidade com alguém. Diríamos, então, uma confirmação de que ainda é possível ser atraente e ser atraído por um rabo de saia que a ergue, resoluta, a pedir-lhe a confirmação de um pénis que, também ele, ainda se ergue.

Há, no entanto, um pesado sentimento de culpa e um amuo que se lhe acompanha. Há uma confirmação de ser promíscuo e de ter praticado o ato mais hediondo num casamento. Resta assim a dúvida: contar ou não contar? Na semelhança dos acesos debates em torno do suicídio: ato de coragem ou de cobardia? Também neste ponto Alain de Botton nos ajuda a encarar as próprias falhas e essa tendência de acionar um tubo de espace aos próprio erros. Contar ou não contar? Culpar a si mesmo, culpar o outro? Chega assim, o momento errante dos amuos escondidos.

"A própria necessidade de explicar constitui o âmago do insulto: se o parceiro precisa de uma explicação, ele ou ela não é digno claramente de a receber. Deveríamos acrescentar: é um privilégio ser destinatário de um amuo; significa que a outra pessoa nos respeita e confia em nós o suficiente para pensar que devíamos compreender a sua muda mágoa. É um dos mais estranhos dons do amor."

Entre amuos, culpas partilhadas, ressentimentos, mágoas e doses de nostalgia, o leitor continua a acompanhar este jovem casal, partilhando dores com um e com outro. A tendência de tomar um partido está bem longe, atirada para dentro de uma gaveta. Alain de Botton enfatiza, magistralmente, esse erro de tomar partidos numa relação, de assumirmos as nossas dores como não só as mais genuínas como, também, as mais certas. O amuo certo que o outro tem de, forçosamente, compreender e acalentar.
 
"É uma coisa maravilhosa viver num mundo onde tanta gente é amável para com as crianças. Seria ainda melhor se vivêssemos num mundo em que fôssemos um bocadinho mais amáveis para com os lados infantis de uns e outros entre nós."
 
Por fim, o autor aponta-nos o mais óbvio e menos fácil de alcançar: há uma espécie de segredo para o sucesso de uma relação. Sim, uma relação pode sobreviver, pode crescer, pode amadurecer. Pode viver condenada a um sucesso, cada vez maior, sim. O segredo, se é que é um segredo, é constatarmos a possibilidade de uma relação no momento em que nos desvinculamos da falsa ideia de perfeição. Um casamento torna-se perfeito no momento em que, a ambos, lhes cai a necessidade de cumprir um cardápio extenuante de provas do seu amor e de ser uma pessoa incólume, sem segredos ou defeitos. O seu amor é imperfeito e é, precisamente nessas imperfeições, no lado infantil que sempre aflorará um dia ou outro, que duas pessoas podem sentir-se, final e derradeiramente, unidas. Preparadas para mais um desafio. E outro que virá, amanhã ou depois.
 
"(...) o amor é uma arte, não apenas um entusiasmo."

Seja feliz,

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