Memórias do Subterrâneo (Dostoievski)

terça-feira, 7 de julho de 2020


Para quem já conhece minimamente os ambientes criados por Dostoievski sabe, à partida, que está prestes a conhecer mais uma história vincada em críticas sociais e que, também, se arrisca a desnortear a sua própria paz de espírito.

«Memórias do Subterrâneo» é um monólogo de personagem sem nome. A necessidade de um desabafo solto, sem filtros ou ornamentações, é ainda mais vincado por essa falta de nome, de quem não se assume. Ele não pretende marcar posições ou tornar os desabafos num livro que se leia, de facto. Os leitores, se assim o decidirem, assumem o risco da sombra que este homem carrega.

Conheceremos um homem perdido, cheio de mágoas e as culpas, quase totais, que imputa a uma sociedade, segundo ele, muito fútil e corrompida.

"E de resto: de que é que um homem digno pode falar com mais prazer? Resposta: de si mesmo. Portanto, será de mim que falarei."

Ao longo do livro podemos perceber muitas das sombras deste homem, contudo, a sombra do arrependimento parece aquela que ficou enraizada como o grande mal dos seus pecados. Desde amigos que não tolera mas que, ainda assim, insiste num convívio até à iminência de um amor que não consegue, sequer, suportar a ideia, este homem opta pela solidão e pelo silêncio que nada cobram.

É um livro triste, doloroso e que muitas vezes, apesar da dificuldade de criar qualquer elo de empatia com o personagem, acabamos por nos rever na sua dor, tantas vezes desamparada pelo medo de a encarar de frente. A dor de não saber o que realmente se deseja e qual o propósito da vida.
"Mas será possível, será possível um homem ter algum respeito por si mesmo, quando se atreve a procurar prazer no sentimento da sua própria humilhação?"

Com estas memórias, Doistoievski surge, mais uma vez, implacável na sua arte de apontar dedos às feridas que preferimos ignorar. As feridas de quem sente não pertencer e que no cansaço da incompreensão, opta pela escuridão de um lugar muito único, inacessível, onde magoado e triste, decide viver para sempre, como quem foge irremediavelmente de si mesmo.

Quem nunca?


Boas leituras!



Seja feliz,

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