O
Vinho da Solidão é considerada a obra mais autobiográfica de Irène
Némirovsky, que sempre manteve uma relação muito difícil
com a sua própria mãe.
Nesta história conheceremos
a vida da jovem Helène, em que o dinheiro e as mordomias assumem lugar em contraste com o vazio de afeto, sobretudo, por parte da mãe. Aos
olhos tenros da menina, a mãe só se preocupa com a aparência e o medo
incontrolável de envelhecer. Sabemos que na vida da própria autora,
quando a mãe soube que estava grávida, pediu-lhe que abortasse pois não
queria ser avó.
Para quem conhece em maior detalhe a vida da autora, é fácil perceber a estreiteza da história com a realidade dos factos.
A
mãe nesta história é também uma pessoa fútil, interessada no marido
apenas pelo vislumbre dos bens materiais que usufrui. Tem amantes e a
descoberta dessa realidade abre um foço na menina para sempre,
roubando-lhe a infância e somando, a si mesma e na mesma medida, uma
maldade que não sabia ter.
A
solidão, a par com a abundância (o vinho em sentido figurado), resultam
num duplo vazio e numa tristeza que se vai adensando à medida que se
torna numa adolescente mais bonita e com formas bem desenhadas.
Será
no florescer do corpo que aquela maldade se materializa num único objetivo:
a desgraça da mãe, espezinhá-la no silêncio. Para isso, decide seduzir
Max, o amante da mãe. O misto de emoções que sente é notório, sabe estar
a errar, sabe, inclusivamente que não deseja aquilo para si mesma, mas a
falta de amor parece gritar-lhe uma vontade de se impor,
independentemente do caminho que siga ser pontuado pela moralidade, ou
não.
"É um crime trazer filhos ao mundo e não lhes dar uma migalha, um átomo de amor!"
Pela
temática que encerra, o vazio/maldade de uma mãe e a ânsia de amor de
uma filha, esta é uma história difícil e de enorme tristeza. É nessa
linha que sempre me encontro para explicar a grandeza da escrita de Irène:
não há ninguém que consiga escrever a beleza de uma dor como a autora.
Porque há sempre uma espécie de beleza rendida quando o assunto é uma
dor profunda, que quase reconforta, como única companhia possível, e que nos pede um afastamento de tudo e
todos que nos relembram, dia após dia, os nossos infortúnios.
É
nesse afastamento que a jovem Helène se volta a
reencontrar, na solidão de si mesma como a promessa dos (esperados) recomeços.
"Não tenho medo da vida, pensava. Foram anos de aprendizagem. Foram extraordinariamente duros, mais temperaram a minha coragem e o meu orgulho. Isso é meu, é a minha inalienável riqueza. Estou só, mas a minha solidão é ávida e inebriante."
Uma obra de enorme beleza a comprovar, uma vez mais, Irène como uma das minhas autoras preferidas de sempre.
Seja feliz,
1 comentário:
Decerto que será um livro fascinante de ler.
.
Tenha um dia feliz
Cumprimentos
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