Poderá conter alguns spoilers |
«A Família Melrose», de Edward St. Aubyn, é o resultado de uma vida amargurada, fruto das crueldades de que, tantas vezes, a vida é feita. Este quinteto retrata-nos a história parcialmente biográfica do autor, vítima de abuso sexual por parte do seu pai e com a conivência cobarde da sua mãe.
Edward St. Aubyn nasceu em Londres, em 1960, e estudou Literatura Inglesa em Oxford. Os cinco romances sobre Patrick Melrose foram premiados, aclamados pela crítica e pelos pares, e culminaram na consagração internacional do autor.
O primeiro volume da história de Patrick Melrose, «Deixa lá», conta-nos a infância infeliz desta personagem. Inserido numa família aristocrática, Patrick com os seus cinco anos de idade, afasta a cortina para revelar aos leitores atentos um cenário repleto de ócio comprado, caprichos impulsionados pela riqueza, estatuto social, e sobretudo, um snobismo diferenciador. David, o seu pai, é o resultado de tudo isso e mais umas pitadas da mais pura insensatez e crueldade. Dono de si, dono do mundo, dono de tudo, é um homem irascível, doente e abusador.
Ao longo deste primeiro volume será, especialmente, focada a relação doentia entre pai e filho, entre marido e mulher, numa sombra familiar que oprime o menos sensível.
É inegável a certeza de que uma infância marcada pelo abuso, permanece para sempre. Em «Más Novas», conheceremos Patrick já com os seus 22 anos, perdido em si mesmo e no passado que não se digere. Nesta fase, o rapaz receberá a notícia da morte do seu pai, tendo de viajar novamente ao local onde nasceu. Esta parte da história não é mais do que as deambulações de um jovem que se perdeu, procurando um reencontro consigo mesmo através do mundo das drogas. Viciado naquilo que, aparentemente, só a droga lhe dá, Patrick percorre cantos e recantos na procura de mais uma dose onde, tantas vezes, a sua vida se arrisca a ir de vez. Não parece importar-se. Há a tendência de quem se quer camuflar, não validar os abusos da infância numa espécie de ingenuidade, também ela, comprada.
Ao longo de «Más Novas» assistimos à força cruel que a presença do pai teve na sua vida. O questionamento sobre o seu valor, o que fará ele agora que a presença do pai se extinguiu para sempre, como se desenhará o futuro?
A resposta parece não lhe chegar, contudo, fica-lhe um resquício de vontade em entender, de se entender e de se reencontrar num mundo que nunca sentiu, realmente, seu. Em «Alguma esperança», Patrick concentra-se numa das frases mais presentes na boca do seu pai: «Se tens um talento, usa-o. Ou serás infeliz o resto da tua vida». Como poderá um homem já maduro encontrar o seu talento? A vida continua a girar e Patrick mantém-se convicto na sua sensação de perda, de arnês quebrado, de um chão que não lhe sustenta as mágoas.
Com o dinheiro cada vez mais contado, decide que é hora de fazer algo por si. Decide estudar e concluir o curso de Direito. Um passo em frente que o levará a uma vida esperançosamente mais calma, longe do rebuliço da juventude revestida a drogas e sexo fácil.
Será o convite para uma festa com um grupo cerrado da aristocracia britânica, cercado de arrivistas e da princesa Margarida, que o fará reviver outros tempos, na certeza de que a amargura e o desamparo, jamais, lhe desaparecerão. Quer fugir dali. Quer fugir de si mesmo.
Em «Leite Materno», o quarto volume desta história, revemos Patrick numa fase nova. Está casado e é pais de dois meninos. A paternidade surge como uma espécie de acalmia, para logo de seguida, o afogar em dilemas, receios e ansiedades envoltos na fraca certeza de se tornar no pai que tanto desejaria. A amputação dos seus próprios afetos, a sua tendência à vitimização e autocomiseração parecem armas apontadas, numa crueldade de quem, por mais que tente, não foge a um passado marcado pelo abuso e, consequentemente, que lhe dita todos os passos que dá. A sua esposa, Mary, desconfia que é traída. Concentrada unicamente na maternidade, conheceremos um casal que se esqueceu de existir, mais concentrado nas vontades pessoais ou causas queridas. O adultério parece inocentemente justificado, numa nova espiral de destruição.
Também a relação com a sua mãe, a única ligação ao passado que até então que ainda se mantém viva, é analisada com pormenor. As dúvidas perante a atitude sempre tão submissa da mãe acaba por ganhar novos contornos e relevos, agora, que se encontra cada vez mais doente, menos autónoma e centrada em duvidosas causas sociais e solidárias. A tendência desta mãe é distribuir a sua própria fortuna como quem pede perdão, desesperado, por um passado do qual não se orgulha. Também ela desejou fugir às garras de um marido dominador, sem qualquer sucesso.
«Por Fim» marca-nos o desfecho desta história. Durante o funeral da sua mãe, Patrick revisita os seus lugares passados e, agora, na certeza de um fim traduzido pela morte de ambos os pais, questiona até que ponto pode, por fim, reencontrar-se. Uma pacífica espécie de redenção.
A história da família Melrose, magistralmente construída, sublinha as amarguras vividas num seio familiar muito sombrio. O poder da família é cruelmente registado por Edward St. Aubyn, obrigando-nos a refletir sobre esse lugar onde tudo começa e onde tudo pode desmoronar. A família vista como promessa falhada, os resultados esperados de um abuso, as feridas dentro de um seio a que não se pode fugir, resulta num dos livros mais ambiciosos e que, ao contrário da família Melrose, cumpre com a promessa de uma história que não se pode deixar de ler.
É inegável a certeza de que uma infância marcada pelo abuso, permanece para sempre. Em «Más Novas», conheceremos Patrick já com os seus 22 anos, perdido em si mesmo e no passado que não se digere. Nesta fase, o rapaz receberá a notícia da morte do seu pai, tendo de viajar novamente ao local onde nasceu. Esta parte da história não é mais do que as deambulações de um jovem que se perdeu, procurando um reencontro consigo mesmo através do mundo das drogas. Viciado naquilo que, aparentemente, só a droga lhe dá, Patrick percorre cantos e recantos na procura de mais uma dose onde, tantas vezes, a sua vida se arrisca a ir de vez. Não parece importar-se. Há a tendência de quem se quer camuflar, não validar os abusos da infância numa espécie de ingenuidade, também ela, comprada.
Ao longo de «Más Novas» assistimos à força cruel que a presença do pai teve na sua vida. O questionamento sobre o seu valor, o que fará ele agora que a presença do pai se extinguiu para sempre, como se desenhará o futuro?
A resposta parece não lhe chegar, contudo, fica-lhe um resquício de vontade em entender, de se entender e de se reencontrar num mundo que nunca sentiu, realmente, seu. Em «Alguma esperança», Patrick concentra-se numa das frases mais presentes na boca do seu pai: «Se tens um talento, usa-o. Ou serás infeliz o resto da tua vida». Como poderá um homem já maduro encontrar o seu talento? A vida continua a girar e Patrick mantém-se convicto na sua sensação de perda, de arnês quebrado, de um chão que não lhe sustenta as mágoas.
Com o dinheiro cada vez mais contado, decide que é hora de fazer algo por si. Decide estudar e concluir o curso de Direito. Um passo em frente que o levará a uma vida esperançosamente mais calma, longe do rebuliço da juventude revestida a drogas e sexo fácil.
Será o convite para uma festa com um grupo cerrado da aristocracia britânica, cercado de arrivistas e da princesa Margarida, que o fará reviver outros tempos, na certeza de que a amargura e o desamparo, jamais, lhe desaparecerão. Quer fugir dali. Quer fugir de si mesmo.
Em «Leite Materno», o quarto volume desta história, revemos Patrick numa fase nova. Está casado e é pais de dois meninos. A paternidade surge como uma espécie de acalmia, para logo de seguida, o afogar em dilemas, receios e ansiedades envoltos na fraca certeza de se tornar no pai que tanto desejaria. A amputação dos seus próprios afetos, a sua tendência à vitimização e autocomiseração parecem armas apontadas, numa crueldade de quem, por mais que tente, não foge a um passado marcado pelo abuso e, consequentemente, que lhe dita todos os passos que dá. A sua esposa, Mary, desconfia que é traída. Concentrada unicamente na maternidade, conheceremos um casal que se esqueceu de existir, mais concentrado nas vontades pessoais ou causas queridas. O adultério parece inocentemente justificado, numa nova espiral de destruição.
Também a relação com a sua mãe, a única ligação ao passado que até então que ainda se mantém viva, é analisada com pormenor. As dúvidas perante a atitude sempre tão submissa da mãe acaba por ganhar novos contornos e relevos, agora, que se encontra cada vez mais doente, menos autónoma e centrada em duvidosas causas sociais e solidárias. A tendência desta mãe é distribuir a sua própria fortuna como quem pede perdão, desesperado, por um passado do qual não se orgulha. Também ela desejou fugir às garras de um marido dominador, sem qualquer sucesso.
«Por Fim» marca-nos o desfecho desta história. Durante o funeral da sua mãe, Patrick revisita os seus lugares passados e, agora, na certeza de um fim traduzido pela morte de ambos os pais, questiona até que ponto pode, por fim, reencontrar-se. Uma pacífica espécie de redenção.
A história da família Melrose, magistralmente construída, sublinha as amarguras vividas num seio familiar muito sombrio. O poder da família é cruelmente registado por Edward St. Aubyn, obrigando-nos a refletir sobre esse lugar onde tudo começa e onde tudo pode desmoronar. A família vista como promessa falhada, os resultados esperados de um abuso, as feridas dentro de um seio a que não se pode fugir, resulta num dos livros mais ambiciosos e que, ao contrário da família Melrose, cumpre com a promessa de uma história que não se pode deixar de ler.
Boas leituras,
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