«Teria sido assim?»
Viver é um milagre. É um verbo terapêutico mas é também um verbo que desafia. Quando diz "viver" bem alto sente que a sua boca fica entreaberta, a língua presa no céu da boca, numa espécie de espera incerta por um beijo certeiro, capaz de lhe calar anseios e medos.
Jill Santopolo escreveu uma belíssima história de amor. Escreveu a vida como ela é, repleta de cruzamentos, estradas aparentemente sem sentido, becos e placas que nos induzem num destino aparentemente certo.
«O que fica somos nós» conta-nos a história de amor entre Gabe e Lucy, dois estudantes que, quis o tal destino, se cruzassem no malogrado dia 11 de Setembro de 2001. Fosse o momento díficil e inesperado, fosse aquilo que tivesse de ser, a vida deste casal ficaria irremediavalmente ligada para sempre.
Todos esperamos que a história da nossa vida seja feita de capítulos bem escritos, com uma ordem intocada e, de preferência, com um desfecho memorável. Independentemente de sabermos que a vida de linear pouco tem, fica sempre esse desejo latente em cada um de nós: uma ordem, um sentido, um desfecho que seja porta aberta às suas maiores bençãos.
Nesta história encontraremos tudo menos essa desejada ordem, contudo, o tal destino aparentemente certo surge-nos com tudo, como um estalo de luva branca, como quem avisa que o poder de um amor pode, sim, ganhar ordem na desordem. Pode tudo.
A história de amor entre Gabe e Lucy termina antes de começar. Volta a começar mais tarde para nunca mais acabar. Caro leitor, eu poderia escrever sobre toda a história de amor deste casal mas não mas me parece o mais acertado. Acredite em mim quando lhe digo que é uma daquelas histórias enganadoramente leves: Jill Santopolo conquista-nos por este singular amor que nasce sem arnês, mas também pelo mergulho a que nos obriga perante essa tão complexa teia da moralidade nos afetos.
Confesso-lhe que nem sequer lhe posso dizer que este casal ficará para sempre unido. Estaria a dizer-lhe uma mentira, mas também lhe estaria a dizer uma verdade. Entende quando lhe digo que esta história encerra em si tantos aspetos pertinentes sobre o quanto é complexo (e errado) analisar a vida por essa ordem certeira de capítulos?
A leitura deste livro foi uma verdadeira surpresa, sobretudo, pelas minhas pequenas expectativas em torno dele. Confesso que pensava estar perante um livro mais leve, com uma história alinhada nos capítulos e mais previsível. Pois bem, estava enganada. Desejo que o leitor se aventure nesta leitura do mesmo modo: completamente desprevenido.
Jill Santopolo escreveu uma história de amor que nos desafia a mergulhar no nosso próprio passado. A questão «Teria sido assim?» é como uma sirene a marcar presença em cada um dos nossos pensamentos. Como teria sido se, naquele dia, eu não estivesse naquela rua? Como teria sido se ele não tivesse ido embora? Como teria sido se eu tivesse, simplesmente, esperado? Teria sido assim se tivesses ficado? Uma eterna tarde numa cozinha com o cheiro doce de bolinhos acabados de fazer?
Teria sido assim?
Seja feliz,
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