A mulher que correu atrás do vento (João Tordo)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

João Tordo acaba sempre por nos surpreender pela originalidade das suas histórias. Não é diferente com esta «mulher que correu atrás do vento».

Neste livro acompanhamos a vida de quatro mulheres, um século que as atravessa e o amor como personagem principal. A história começa com Beatriz (1991), uma aspirante a tradutora, apaixonada pelos livros, saudosa da mãe já falecida e que acaba, por arte do destino, envolvida amorosamente com o autor de um livro que não suporta ter gostado tanto, mas gostou.

Ao longo da história de Beatriz, outros livros se abrem para nos contarem a história de Lisbeth Lorentz (1892), professora de piano e cuja vida fora pautada por grandes desvios emocionais e um crime que carregava ao ter abandonado um aluno seu de 13 anos, por quem se apaixonou quando percebeu o seu enorme talento. 

Voltamos atrás e percebemos, nos diálogos sinceros de Beatriz, o cansaço e o desajuste da sua própria vida. Recém-chegada a Lisboa, para ingressar na Universidade, não sabe o que fazer com o tempo vazio dos dias, que a carga horária das aulas está longe de chegar. Com isso, torna-se voluntária num abrigo para mendigos onde conhecerá Lia, uma jovem perdida, a quem ninguém conhece o passado.

Será através da curiosidade de Beatriz por Lia que acabará a entrar na história não só daquela, mas também de Graça Boyard, fugida de Lisboa durante as cheias de 1967, para escapar à ditadura e abandonando a sua filha ainda pequena.

Este será o mosaico de histórias que o autor, habilmente, constrói para dar vida a uma história cujo amor se assume não só como personagem principal mas, e acima de tudo, sobre o poder do tempo e das memórias que não se arrumam, acabando por definir os futuros das vidas de quem, em sintonia, não encontra poiso certo.

João Tordo deu voz a um livro que se compara, também, às clássicas bonecas-russas. Há histórias a escorrer dentro de uma só, que por sua vez, se desdobra em tantas outras, com pessoas iguais ou diferentes mas que acabam, de uma maneira ou de outra, por se encontrarem no fim do caminho.

O final desta que é uma história em mil para se subtrair e restar apenas uma que as conta a todas, deixa-nos a refletir o quanto somos um sopro. É que nunca é de mais pensarmos sobre esta verdade tantas vezes esquecida, porque dá jeito, e nós, distraídos, vamos vivendo como quem escapa entre pingos da chuva. Todas estas mulheres, sem excepção, abraçam o mesmo medo e o mesmo arrependimento. O medo de quem não viveu a excelência dos sonhos e o arrependimento de quem, mesmo correndo contra o vento, não se rebelou o suficiente contra as mágoas do passado, o único capaz de imprimir a força do, para sempre, irremediável.

 

 

Com o apoio: 

💗

Seja feliz. Boas leituras.


Sem comentários:

CopyRight © | Theme Designed By Hello Manhattan