Nenhum Olhar (José Luís Peixoto)

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

 «Nenhum Olhar», de José Luís Peixoto, foi provavelmente o livro mais triste que li este ano. Esta é uma história escrita pela mão tão forte da tristeza, que é pesada, quente como o sol, mas que queima como um inferno em plena terra.

José Luís Peixoto escreve como ninguém. É, sem sombra de dúvida, um dos meus escritores portugueses contemporâneos preferidos. Na sua escrita podemos sempre contar com uma sensibilidade feita de duas pernas, que corre veloz e alastra-se em todos os cantos das pessoas que compõem esta história.

Narrada numa aldeia pacata do Alentejo, conheceremos uma pequena comunidade, toda ela triste e fragmentada entre a nostalgia de um passado, o arrependimento e o vazio de um futuro desconhecido mas certeiro na mágoa que promete.

Podia descrever a história de início ao fim, contando a história de vida de José, a bebida, o Gigante, o Demónio, a mulher de José, a cozinheira solteirona, os irmãos gémeos presos por um dedo mindinho. Poderia contar-lhe que esta é a história destas pessoas e de um homem preso numa casa a escrever e uma voz dentro de uma caixa, lúcida e orientadora.

Poderia, sim, descrever-lhe a dor de cada um em separado mas todas as minhas palavras iriam escoar na verdade única (na minha opinião) de «Nenhum Olhar»: este é um livro sobre a vida e tudo o que nela se agarra à nossa passagem desatenta. É a vida que vai acontecendo como uma manta de retalhos, o passado que não se resolve e se adianta às gerações futuras. É também uma tocante homenagem ao amor mais puro, ao arrependimento e à honra que endireita a coluna e nos permite andar de cara virada ao sol, ou não. E a violência como redenção, como quem se entrega, cansado, tentando remediar modos de vida que não cooperam com a gente. Modos de vida pesados que seguem, ritmados e congruentes, com todos os corações tão tristes que vivem dentro destas páginas.


Um livro de enorme sensibilidade. Um livro sobre pessoas magoadas. Um livro sobre pessoas que não ousaram sonhar mais do que a conta. O medo dos créditos mal parados em assuntos do coração e a punição pesada da culpa.


Recomendo.


 

Seja feliz,

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