Contém spoilers.
As palavras de Richard Yates são pequenos embrulhos. São bonitos por fora mas dentro guardam uma tristeza cansada. Para quem é admirador atento, como eu, sabe que o autor tem uma forma tão característica de escrever a dor que, aos olhos de quem a lê, consegue ver-lhe beleza, a beleza que empurra as sombras.
Esta é a história de um jovem e bonito casal, Michael e Lucy. Conheceremos a sua jornada, como homem e mulher que se apaixonam, despertos para um mundo repleto de oportunidades, na semelhança das suas vontades e na pujança de um amor, segundo o seu íntimo, capaz de superar todas as coisas.
É na cerimónia do casamento que são feitos os votos de uma vida inteira, mas não será assim com este casal. Michael é um homem perdido em si mesmo, entregue a um trabalho que não gosta mas que lhe possibilita pagar as contas e o sonho, firme, em escrever poesia. Por outro lado, Lucy é rica, segredo revelado apenas e só depois do casamento. Se a intenção dura de Michael é prosperar na força do seu próprio empenho enquanto escritor, a riqueza da esposa ainda o amedronta mais. Nasce nele um constante desejo de emancipação, quase sexual. Ou se calhar, e sobretudo, sexual.
É sempre sobre a melancolia dos sonhos. Richard Yates tece sonhos tão bonitos e mostra-nos, a olhu nu mas repleto de sensibilidade, as entranhas que movem qualquer sonho: a deceção e o desespero.
Ao longo desta belíssima história conhecemos as dores de todas as personagens, sem exceção. Mas será em Michael e Lucy, agora pais de uma menina, Laura, e divorciados, que o enredo acontece e uma catadupa de sonhos infecundos dá lugar.
Desde a nostalgia do que foi o casamento, aquela esperança vaga dos lugares onde fomos felizes mas que sabemos jamais poder voltar; a saudade do que foi sem nunca ter sido; as paixões que vão desabrochando em cada um deles, novos amores, novos desamores; vidas novas que vão construindo na base de sentimentos frescos mas mascarados com as mesmas crenças de não merecimento; e por fim, a procura de si mesmo através da arte.
"Sabes o que nos aconteceu, Lucy, a ti e a mim? Passámos as nossas vidas na expectativa. Não é a coisa mais diabolicamente absurda de todas?" p.175
"Toda a gente está essencialmente só, dissera-lhe, e ele começava a ver que era verdade. Além disso, agora que estava mais velho, e agora que chegara a casa, talvez já não fosse importante saber como acabaria a história." p.459
«Jovens corações em lágrimas» tem já o seu lugar garantido nos melhores deste estranho 2020.
Seja feliz,
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