LOP#2 Narcisismo Parental

quarta-feira, 12 de outubro de 2016



Os tempos vão mudando e eis que já vai longe aquele em que os pais representavam um poder obstinado, um respeito disfarçado a medo, cujo tom de voz não poderia ultrapassar o aceitável pelas leis de uma família que se quer arreigada nos limites, nas hierarquias, nas posições.
 
O papel atual dos pais situa-se entre amor e amizade. Penso que este último é um dos fatores determinantes para a disfuncionalidade tão patente nas famílias atuais, sobretudo, no que ao relacionamento entre pais e filhos diz respeito.
 
Não. Pode até ser um cliché que se tem vindo a propagar, mas é mesmo verdade: os pais não têm de ser - nem devem - amigos dos filhos. Como fazer entender, e direcionar, as pessoas para algo tão óbvio, mas que soa sempre tão, incrivelmente, cruel e frio?
 
Vejamos de forma sucinta: os pais são pais. Tão somente assim. São aqueles que transmitem essa dádiva da vida, que a propagam e que, bem ou mal, farão os possíveis para que a criança se sinta amada, protegida e integrada no mundo. Se dentro deste prisma a amizade pode ser contemplada, acredito que sim, mas não da forma atual como é vivenciada.
 
E sabem porquê? Porque até os pais, na condição de pais somente, passam a vida a competir uns com os outros. Imaginem um grande Jardim Infantil com pais lá dentro: qual deles brinca mais e melhor, qual deles vem munido de mais brinquedos topo de gama e qual deles é o mais fixe, capaz de conversar com o pessoal todo?
Sim. A minha ideia era mesmo transmitir um cenário ridículo.
 
Atualmente assiste-se a uma transferência de responsabilidades e papéis, em que a criança é obstinada nos seus desejos e vontades perante pais submissos, sedentos de agradar porque: "(...) ela é ainda uma criança, tem tempo para saber o que custa a vida dos grandes."

A questão é que não há tempo nenhum, meus caros. O tempo é agora. A educação começa desde logo. Saber que um bebé com 7 meses já tem a capacidade de distinguir o «sim» e o «não» através da expressão facial da mãe, deveria ser um alarme (gritante) para muitos dos pais que vão arrastando essa arte de educar, compensada antes pela arte das cedências.

Tudo isto para sublinhar o ponto mais importante em torno destas novas relações parentais. É que mais do que o desejo de agradar, de retardar sofrimentos e birras, esconde-se esse narcisismo parental. Vejamos, todos nós queremos ser amados e apreciados. Ninguém gosta de castigos, de chamadas de atenção e de apontar de dedos. Muito menos do «tempo especial» que os chatos dos psicólogos inventaram, levando a criança para a cadeira ou para um cantinho especial da casa, refletindo sobre as suas ações. Qual quê, ninguém gosta disso. Muito menos, de quem o ordena.

Assim, pela garantia da suposta ordem emocional, da segurança de se ser amado, que se faça vista grossa a birras e choros fáceis. Haverá sempre um pequeno e novo capricho ao qual se poderá recorrer em prol, claro está, do bem-estar da criança.


Temos de refletir, então: porque será que os miúdos tanto adoram aqueles professores mais autoritários, ainda que simpáticos?
Todos nós precisamos de diretrizes. De regras. De orientações.
E, obviamente, o «não» e o eclodir de birras e insatisfações são determinantes para um crescimento saudável, que saiba balançar os diferentes lados da vida, permitindo reconhecer que o equilíbrio da felicidade passa, precisamente, pelas oscilações entre o lado bom... e o lado mau.
 
Sejam felizes.

2 comentários:

Beatriz disse...

Voltei! :)
Anteriormente não pude comentar este teu post. Concordo em absoluto com o título e com o conteúdo.
Não tenho filhos nem trabalho com crianças, todavia não sou cega, nem surda e muito menos acéfala. Assim sendo, posso ter uma opinião. Há algumas mães que acham que quem não tem filhos não pode falar de educação de crianças.
De desculpabilização em desculpabilização os pais só prejudicam os filhos, crescem a acreditar que as regras são para violar e que não existem consequências. Há um laxismo parental "assustador".
Apesar de não estarmos a falar de criminologia nem de sociologia urbana, a Teoria das janelas partidas parece ser a preferida de muitos pais, quando em muitos casos o ideal seria seguiram a Hobson's Choice (esgotadas as possibilidades de diálogo e entendimento).
Há uns meses assisti num restaurante a uma cena incrível.
Um (pré)adolescente levantou-se da mesa e começou a simular actos sexuais contra a perna do empregado de mesa. O empregado tentou que a situação passasse despercebida. O miúdo continuou. Desta vez contra as pernas das mesas e quando chegou uma família com 2 miúdas resolveu virar-se para estas. Os pais não gostaram, como é mais que natural. A resposta da mãe foi: "Entenda que o meu filho tem 13 anos e está a descobrir a sua sexualidade."
Enfim, alguns pais esquecem-se que as crianças de hoje serão os adultos de amanhã.
Beijinhos, Denise.

Denise disse...

Ainda consigo ficar abismada/chocada com certas respostas de certos pais.
A minha liberdade termina onde começa a do outro. Talvez a senhora mãe se tenha esquecido desse pequeno pormenor.
É um descalabro e é verdadeiramente assustador o "amanhã" que se anda a construir quando o assunto são as famílias. Se Tolstoi disse: "(...) as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira", eu substituiria o «infelizes» por desesperados. O desespero de amor e de segurança que os pais procuram nos filhos é uma das mais graves patologias atuais. Não se alimenta a individualidade e por mais paradoxo que soe, não se alimentam verdadeiramente os afetos. Nessa arte de amar/educar deve imperar, sempre, o risco de perder (nas crianças, as chamadas consequências/castigos com base na conduta). Só assim se cresce.
É lamentável.
Contudo, há sempre o lado bom, de pais democráticos e assertivos, que empurram a criança para a descoberta maravilhosa do mundo, da grande filosofia da vida que é experienciar. Sempre com os tais limites orientadores. E sim, essas famílias são todas parecidas, porque são felizes.

Obrigada pelo comentário Beatriz :)
Beijinhos!

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