Uma história negra (Antonella Lattanzi)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019


 Continuamos a falar sobre a violência doméstica. Só isso é o mau começo de uma história que nunca deveria ter começado. Continua presente e é um mau começo. O mau começo de precisarmos de continuar (e continuar) a falar sobre o assunto. É sinal de que algo não vai bem. 
Envolto numa atmosfera de um enorme desentendimento social, a maioria das vítimas de violência doméstica são tidas como mansas, estavam mesmo à espera de um murro na cara ou, ainda, são tão ciumentas e provocadoras que, vai na volta, mal empregadas as que lhe caíram ao chão.
 
Há um pouco de tudo nesta tendência generalizada de tentarmos entender para lá da nossa própria esfera. Como quem vive aquilo na primeira pessoa, mas sem viver. Hipocrisias em época de saldos.
 
No site da APAV, sobre definição da violência doméstica, podemos ler:
 
A violência doméstica abarca comportamentos utilizados num relacionamento, por uma das partes, sobretudo para controlar a outra.
As pessoas envolvidas podem ser casada ou não, ser do mesmo sexo ou não, viver juntas, separadas ou namorar.
Todos podemos ser vítimas de violência doméstica.
As vítimas podem ser ricas ou pobres, de qualquer idade, sexo, religião, cultura, grupo étnico, orientação sexual, formação ou estado civil.
 
Hoje trago-lhe este tema conduzida pela minha mais recente leitura: «Uma história negra», da italiana Antonella Lattanzi. Este livro retrata a vida de uma família sujeita ao pesadelo da violência doméstica. Carla é casada com Vito e da sua relação nasceram três filhos: Nicola, Rosa e Mara, de 3 anos, esta, com uma diferença de idade mais significativa comparativamente aos irmãos, já jovens adultos.

Vito sempre foi violento. Carla sempre foi submissa. Pelo menos, do lado de fora da casa de família, tudo assim era considerado. Vito batia em Carla porque a amava muito. Vito tinha uma amante, Milena, a quem não batia, porque na verdade não a amava assim tanto. Não tanto como amava Carla.
O divórcio, em defesa astuta dos seus filhos, para sempre atormentados, levou a dianteira de Carla, afastando de vez o pai e as constantes agressões físicas e verbais.
 
Chegará o dia de aniversário de Mara. A menina deseja ter o seu pai na festa. Carla, cansada de se opor aos próprios filhos, acata e convida. Vito vem para, nessa mesma noite, desaparecer e ser, mais tarde, encontrado assassinado e entregue a uma lixeira. Foi Carla quem o matou. E matou na sequência de mais um, e ainda assim inesperado, arrombo de violência e possessividade.
 
O livro de Antonella Lattanzi rege-se por estas linhas que acabo agora de lhe traçar. Não há muito mais do que isto, tirando obviamente o cenário do tribunal, a mão forte que se espera da justiça. Falamos de um livro pouco trabalhado, com uma escrita acessível, também ela pouco trabalhada, para nos mostrar - e com a analogia a um tórrido Verão - a asfixia que uma vítima de violência doméstica sente, dia e noite.
 
Porém, não é tudo.
 
Certo está que Carla é uma vítima de violência. Uma vítima que se transformou em assassina. Independentemente de falarmos de um livro mais leve na condução de todo o enredo, não dispensa ao leitor um trabalho de casa que passa, precisamente, por refletir sobre a tal temática que, para a maioria, lhe passa ao lado: o que é a violência doméstica? De onde provém e como se desenvolve? Estaremos corretos em analisar a violência doméstica como duas pontas extremas de um elástico, com causa e efeito? O agressor e a vítima? Será esse o caminho?
 
Assustar-se perante o abismo deste tema serão alguns dos frutos da leitura de «Uma história negra». Esta talvez seja a prova de que existem livros medíocres capazes de nos catapultar para assuntos de enorme seriedade, a prescreverem reflexões urgentes na mudança esperada de paradigmas, preconceitos sociais e, acima de tudo, da (alegada) sabedoria popular de quem não mete a colher.
 
Vamos meter a colher.
Vamos trocar a faca pela colher.
Vamos meter a colher, sim, neste que é um flagelo de todos nós.
 
 
 
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