Em tudo havia beleza [Ordesa] (Manuel Vilas)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019


Já lhe aconteceu, ao entrar numa loja de roupa, ser confrontado com o chamado «tamanho único»? Essa pequena etiqueta sempre me intrigou. Faz-me pensar em diversas possibilidades, entre elas, que sendo um número único, caberá apenas a um restrito grupo de pessoas ou, por outro lado, é tão único que poderia eventualmente caber em cada pessoa, em cada corpo, um pouco à sua maneira.
 
Ao ler Manuel Vilas dei comigo de regresso a esta questão sobre tamanhos únicos, universais, S, M, L, XL, XXL. E agora é a sua vez de me questionar porquê.
 
«Em tudo havia beleza», obra mais recente do autor e a primeira a ser editada no nosso país, fez-me perceber a sua grandeza pelo seguinte paradoxo: este é um livro sem tamanho, capaz de vestir a vida de qualquer pessoa. A minha, a sua, a de qualquer pessoa. Um tamanho único. Tão único que se adapta a quem o procure.
 
"A família é uma forma testada de felicidade."

Esta é a história de um homem que recorda a sua família. Dessa recordação, lemos-lhe saudade, amor, desamor, morte, tristeza e arrependimento, sem nos deixar, no entanto, de comprovar que em cada recanto mais sombrio de nós mesmos, e das nossas vidas, há sempre restos de beleza.

"A dor não é de todo um entrave à alegria, tal como eu entendo a dor, pois para mim está vinculada à intensificação da consciência."

Através de um relato dorido e cansado, o autor habita cada recanto da memória em busca da sua própria família, perdida na morte, reforçando-lhe essa ideia do passado inalterado. Repare, caro leitor, de uma maneira ou de outra, todos nós, tivemos um pai que nos morreu por um cancro vadio. Uma mãe peculiar, apaixonada por cabeleireiros ou pelo Julio Iglesias. Em todos nós há um pouco dessa beleza que é recordar as particularidades da nossa família, tão nossa, a repetir-se no entanto de porta em porta. A repetir-se dentro de nós e a formar alicerces.

"A vontade de viver é sempre confusa: começa com um estouro de alegria e acaba num espetáculo de vulgaridade. Somo vulgares, e quem não reconhecer a vulgaridade é ainda mais vulgar."

Manuel Vilas escreveu um livro que, atrevo-me, é de todos nós. A sua beleza vive dessa ideia de que todos nós carregamos uma pontada de dor diagnosticada por um passado mal alinhavado. Abra as portas a este que é um lamento, um desabafo comum. Encontre nele os pequenos trechos de que a vida é feita. Vai doer um pouco por vezes mas é a vida que acontece, na sua beleza imperfeita, feita de rotinas que apaziguam, de lugares comuns, de pessoas que aprendemos a amar incondicionalmente, hoje e sempre.

"E passar a ferro relaxa. (...) Modelamos a roupa, vemos ali a roupa inerte a receber o calor e a alcançar uma forma, uma visibilidade e uma ordem; do caos das ferozes rugas com que a roupa sai da máquina de lavar vai-se passando a planícies, a campinas, a uma verdade; e pensamos que o nosso corpo se meterá ali dentro e estará bem ali, e terá um sentido, e terá amor."

Talvez como as camisolas de tamanho único, também a vida precise de um ferro quente, que nos modele as memórias a caminho de um sentido. Um sentido que nos faz concluir que em tudo havia beleza.
 


Chega hoje às livrarias.
Vá buscar o seu. Não precisa de o experimentar. É do seu tamanho.
 

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