O meu patrão corresponde ao tipo padrão: chato como a
merda.
Olho atentamente para a rua e imagino-me como a senhora do
chocolate “Milka” mas, contrariamente a ela, estou a caminho de casa. Já vos
conto tudo.
O tempo derreteu os ponteiros e chegou o momento de sair
deste cubículo com cheiro a mofo e distante da era moderna, sem um computador, muito menos Internet na terceira
idade que me permita comunicar para lá daqui. Estou ansiosa e irritada.
Depois de saltos de atleta pelos elevadores, corridas velozes
– e um trambolhão pelo caminho –, chego a casa.
Os meus níveis de adrenalina sobem, desde os pés às pontas
dos meus curtos cabelos, como a aspirina no copo de água. Pelo caminho, deixo
os sapatos entregues ao chão de madeira, e de olho apaixonado, olho para ele. Perto do sofá, confortavelmente instalado, perto da janela com o
sol de fim de tarde, é quase um Deus grego a embelezar a Natureza que Deus criou. Qual
Deus! Vale por si mesmo!
Com o coração a bater descompassadamente aproximo-me e
toco-lhe. Na sua eficácia que nunca deixa de me surpreender, responde-me com
aquela luzinha verde no canto superior direito, logo
após o meu suave toque no «On». O meu Sony Vayo é
tão especial que até luzes extra tem ao sentir o toque leve dos meus dedos. É uma ternura.
Com os níveis ansiosos mais moderados no meu corpo, começo
a preparar-me para o meu encontro de hoje.
Levanto-me da cadeira. De máquina fotográfica dirigida à
minha pessoa, contorço-me nas melhores posições na procura da imagem perfeita
(dizem que a primeira impressão é fundamental!), olhos sedutores, boca ligeiramente
aberta dá sempre bom resultado (pelo que tenho visto), uma fotografia só aos
meus lindos olhos, na tentativa de mostrar a profundidade da minha alma. Corro
à procura dos livros do meu irmão. Tem a mania que é intelectual e por isso, procuro
rapidamente citações de um tal Saramago (desculpa minha querida
Margarida Rebelo Pinto, só ouço falar mal de ti e nesta fase não posso correr riscos) para
parecer a imaginável jeitosa e inteligente. Aquela junção que todos querem e têm vergonha de admitir. Que seja.
Sento-me novamente em frente ao meu Deus grego, retiro o
batom da mala, não, quero antes dizer, o cabo USB para transferir as belas
fotos e entro no bar, quero dizer, entro no MSN.
Em frente ao espelho, digo antes, ecrã, embelezo-me. O meu
perfil supera a Lúcia Piloto no que
se refere a cabelos bem tratados e a minha maquilhagem com a ajuda do Photoshop
(não digam a ninguém), põem qualquer VIP da maquilhagem a viver em Chelas.
A campainha toca. Olho para a porta, força do hábito,
talvez. A campainha com uma barra laranja a piscar no ecrã (com um som
irritante) é o sinal de que alguém chegou. O tal.
Tremo, as palavras travam-se na língua, nos dedos, quero eu
dizer.
Assusto-me. De um momento para o outro o meu ecrã treme. “Acabou de receber um toque”. Penso para comigo que este rapaz está ansioso. Reparem, ainda nem falou e já me me tocou!
Depois de minutos de resistência, os meus dedos ganharam
força e navegaram pelo teclado rico em letras. Minutos
para ponderar cada resposta, ponderar qual a melhor frase e qual o melhor
momento, qual a melhor emoção a escolher. Qual a melhor expressão a
selecionar. Enquanto se ausenta uns minutos (para onde será que ele vai?),
faço download de mais umas emoções
que me podem ser úteis, emoticons é o
que mais há por aqui.
Vejo que nesse momento tenho mais dez visitas na página do facebook, e um novo comentário às minhas
fotografias novas. “Esses olhos
hipnotizaram-me…”. Só elogios. Oh! Mais comentários novos! Elogios.
Elogios. Elogios.
Ele volta. As horas passam à minha frente em segundos, até
ao momento em que a hora de sair da sala, que é como quem diz, da caixa de diálogo, chega.
O meu coração canalizou aquela adrenalina de tantos elogios
juntos. Após me perder nos olhos, na foto, do meu novo amigo, espero até ver o
seu carro desaparecer ao fundo da rua, quer dizer, espero até o quadrado verde
passar a cinzento.
Fecho as janelas, as de casa fechei ao final do dia.
Dirijo-me ao quarto, a barriga pula de excitação e os pensamentos centram-se
para debaixo da cama.
Retiro-a. Cor-de-rosa e com corações, quem olha assim de
repente, parece simpática, mas quando pulo em cima dela cisma em desenhar os
mesmos números de sempre: 90 kgs.
Em cima da balança cor-de-rosa olho o meu querido “Deus
grego”, relembro os elogios distantes e tão próximos, elogios, elogios,
elogios. Sorrio. Volto para trás.
Esqueci-me do pacote de biscoitos na cozinha.
Fui
* chuak *
Beautiful_girl
"Um conto, um ponto" é a nossa nova rubrica.
Obrigada, Clarisse
💚
Seja feliz,
Sem comentários:
Enviar um comentário