Anita Desai é uma escritora indiana nascida em 1937, tendo sido já nomeada três vezes para o Booker Prize (fonte: Wikipédia).
Sobre «A luz brilhante do dia» o The New York Times disse: "Um romance maravilhoso acerca do silêncio e da música, acerca da separação de uma família e de uma nação." Já o The Times Literaty Supplement disse: "Cuidadosamente construído, maravilhosamente escrito, sensível, engraçado, atmosférico."
Não escolhi estas duas apreciações ao acaso. A história de Anita Desai abraça um tema que me é muito querido, o da família, assim como o poder do silêncio e das pequenas marcas que vão sendo deixadas em cada canto de uma casa. A música entra nesse espaço, nesse limbo, que pelas recordações, se mistura com os sons que se repetem, agora antigos, mas capaz de os fazer retornar, alimentando as recordações.
Aliado a essa temática que tem sempre tanto para nos contar e nos confrontar, Anita Desai é detentora, atrevo-me ao extremismo, de uma das escritas mais bonitas das quais já tive oportunidade de conhecer. Ela escreve com o coração, ele pulsa cheio em cada frase, em cada detalhe, em todas as imagens que, de tão bem descritas, as podemos ver instantaneamente em frente aos olhos. Essa visão ampliada só nos aproxima mais e mais desta família, destas pessoas tão especiais, cada uma à sua maneira.
Mais do que Bim, a irmã mais velha que se vê confrontada com a visita da irmã mais nova, Tara, esta casada com um diplomata, longe da cultura familiar e próxima de uma vida de luxos, este livro tem a família como personagem principal. Todos eles, em conjunto e em separado, formam a personagem basilar de toda a história. É precisamente o confronto de Tara com as suas raízes, cada vez mais parcas e infelizes, que ao leitor lhe será concedida uma porta aberta para uma casa feita de vestígios de um passado sem validade.
Bim. Raja. Tara. Baba. Quatro filhos que nasceram de dois pais ausentes, despreocupados e auto centrados. Restou a tia, viúva, abandonada e escravizada pela família do marido, que regressa para cuidar dos sobrinhos.
Quando questionados sobre o que desejariam ser em adultos, Baba e Raja sonham em ser heróis. Tara deseja casar e ser mãe, abraçar os filhos. Esta parece ter sido, desde sempre, a diferença entre os três irmãos. Tara mostra um lado sensível, uma quase natural inaptidão para fazer parte dos costumes de uma cultura da qual, secretamente e com vergonha, deseja fugir o mais rapidamente possível.
Baba nasceu por último. Os pais, já mais velhos e desprevenidos, fizeram nascer um filho autista, numa espécie de dolorosa confirmação do envelhecimento e alheamento dos dois.
Bim, mulher destemida, que valoriza a formação das mulheres e a sua independência, assusta a frágil Tara. Quando esta regressa, já casada e mãe de duas filhas, revisita o lugar da sua família constatando uma espécie de tempo parado. A sua irmã Bim mantém os seus dias como professora, é a cuidadora principal de Baba que, ausente em si mesmo e vivendo de músicas repetidas, depende de todos. É também Bim quem gere a casa e alguns negócios da família após a, também fuga, de Raja.
Com o cenário de guerra entre hindus e muçulmanos, levando muitas famílias a perderem-se e a fugir, a história de Anita Desai é um retrato da vida de uma família indiana, enquadrada num contexto político muito específico, e as recordações que sempre voltam, o sentido de pertença que, afinal, nunca se perde. É também uma história de arrependimentos e ressentimentos. De mágoas e ofensas entre irmãos que, à luz de desejos tão diferentes, se afastam. São os remorsos e as vitimizações que germinam nas entranhas. A raiva que fica como consolo. Lá à frente, no confronto com o passado, a possibilidade de perdão.
"O seu significado parecia cair do céu escuro e instalar-se sobre ela como uma capa ou como um enorme par de asas coberta de penas. Encolheu-se no seu conforto e alívio. Via diante dos olhos como uma antiga escola de música podia conter Mulk, um discípulo ainda imaturo, e o seu guru idoso e exausto, com todas as desilusões e defeitos da sua longa experiência. Viu interiormente como a sua casa e a sua história em particular se ligavam e continham, bem como toda a família, com todas as histórias e experiências separadas - sem as ligar dentro de uma cela morta e sem ar, mas oferecendo-lhes um solo onde lançar novas experiências e novas vidas, mas retirando sempre a mesma escuridão secreta desse mesmo solo. Este continha nele todo o tempo, passado e futuro. Era escuro pelo tempo, era rico pelo tempo. Era onde vivia o seu eu mais profundo e os eus mais profundos dos seus irmãos e irmã e de todos aqueles que partilhavam esse tempo com ela."
Tal como o título, eu hoje falo-lhe de um livro brilhante e recomendo-o, assim, sem qualquer reserva.
Seja feliz,
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